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O artista nasce feito

FOTO: REPRODUÇÃO

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

No ano passado, um amigo de longa data me procura para dizer que sairia candidato a vereador por determinado partido. Palavras dele. Disse botar fé no fato de ser popular, ter boas ideias, gozar de prestígio e bom conceito social, ser membro de família enorme para ajudar nos votos etc. Perguntou-me, em seguida, o que eu achava do seu propósito, já que sua vontade era ajudar o povo nos seus anseios e conquistas, entre outras coisas.

Não muito animado a tratar de política, assunto que pouco rende, a não ser amolação e desentendimentos, fiz-lhe ver que o artista nasce feito. Sem entender minha colocação, veio com o esperado: “Como assim, artista nasce feito, se não estamos falando de artista?”.

Lançada a metáfora, cuidei de explicar que um concorrente a qualquer cargo político-eletivo tem que ser candidato a partir de quando nasce. Não adianta, em época de eleições, sair por aí distribuindo santinhos, se fazendo de bonzinho, tomando cafés frios e pegando criancinhas no colo, dizendo que vai fazer e acontecer, porque o eleitor que se preze não vai cair nessa, nem aqui, nem na Península Arábica. Daí a frase “o artista nasce feito” ter vindo à cabeça.

Depois de um tempo, campanha eleitoral municipal em ebulição, encontro-o por acaso na praça central da cidade. Nem precisou lhe perguntar do seu intento. O próprio se adiantou para anunciar. Mudou de ideia quanto ao pleito. Na “grande família” dois membros se candidataram, três amigos também o fizeram. Melhor mesmo, depois de muita reflexão, foi desistir de sua disputa eleitoral, o que rendeu solene aprovação de minha parte.

Nem precisou que lhe contasse do meu drama, ocorrido no longínquo ano de 1976. Candidato pela ARENA, a bordo apenas de frívolos ideais de bom rapaz, saí à procura de nobres ideais para ajudar a comunidade na câmara de vereadores de Passos. Não obtive nem muitos e nem poucos votos no certame eleitoral. O suficiente para ficar um bom tempo de mal com a vida. Estávamos em plena redemocratização no país. Eu, saindo candidato exatamente pela ARENA? O povo querendo mudanças? Autêntico tiro no pé. Falta de aviso não foi. Márcio Maia que o diga. Perdi feio.

Mas, com certeza, o bastante para ter como lema de conduta, o de que realmente o artista nasce feito. Com efeito, não era, nunca fui e jamais serei candidato para abrigar conceitos de alto nível político-eleitoral. Com isso – “penso, logo existo” – deixei de dar e/ou receber cadeiradas em toda e qualquer circunstância, pelo que agradeço, imensamente, o fato de não pertencer a qualquer agremiação político-partidária de nenhuma esfera, ordem e natureza. E mais: não ter sido convidado para mais nada. Para se ter ideia, desisti, e faz tempo, até de ser presidente da seção eleitoral à qual pertenço, em Formiga.

Na lembrança, década de 70, para 15 vagas existentes, três dos que se elegeram para a Câmara de Vereadores de Passos, fartura elogiável de votos, na contemplação artistas de verdade, com capacidade invejável de argumentação: Alceu Rodrigues Santana, Waldemar Ribeiro de Oliveira e Durval Felix de Lima.

Ah, os artistas… Estes nascem feitos, muito embora haja quem acredite, habilidades possam ser trabalhadas e desenvolvidas.

Acreditemos, na teoria dos traços e plenitude da certeza, que nasceram artistas, são artistas e o serão sempre que a expectativa social de vida lhes tocar.

A homenagem, com carinho.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)

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