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Novo messianismo

Foto: Reprodução

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

 

“Pela retidão se governa um país. / Pela prudência se conduz um exército…  / Quanto mais proibições existem, tanto mais o povo empobrece. / Destrói-se toda ordem, quanto mais os homens procuram os seus interesses pessoais. / Prepara-se a revolução, quando os homens só pensam em si mesmos. / Abundam ladrões e salteadores, quando o governo só confia em leis e decretos…/ Mantenho-me imparcial! E, por si mesmo, o povo se endireita. / Não me meto em conchavos! E, por si mesma, floresce a ordem. / Não nutro ganâncias! E eis que, por si mesmo, tudo vai bem”. – (Lao-tsé, filósofo e escritor chinês – 571 a.C)

O termo ‘messianismo’, significa, originalmente, para o judaísmo, na sua concepção religiosa, a crença na vinda de um Messias, redentor humano para Israel, eleito por Deus, e para toda a humanidade, por intermédio de Israel, em data futura incerta. Para os cristãos, Jesus Cristo, que veio há dois mil anos e que deverá retornar, em data também não definida, para completar a sua obra, implantando, definitivamente, um reino de justiça e paz universais. Já, modernamente, de caráter político-social, a expressão pode significar, ainda, guardando semelhança com a acepção religiosa, movimento ou sistema ideológico que prega a salvação da humanidade através da entronização de um messias, que pode ser um indivíduo, uma classe ou uma ideia.

A principal diferença está em que os dois primeiros aguardam uma intervenção divina e direta na história e este último crê em uma intervenção humana, em um salvador humano – ou super-humano, seja ele um homem ou um sistema político-ideológico. Por paradoxal que seja, a principal semelhança reside na diferença: o fato de serem credos – um religioso, outro político-ideológico.

O brasileiro é, de maneira geral, por formação, um povo muito religioso, seja na sua matriz europeia, seja na sua origem africana e indígena, ou, ainda, advinda de povos do Oriente Médio e da Ásia, todos formadores do nosso amálgama racial e, como tal, ao longo de sua história, por inúmeras vezes, vem depositando a esperança de superar as suas agruras através de um líder forte, um ‘messias’, que restaure a sua sorte e a da nação, seja ele um religioso ou um político, assim como ocorreu em diversas ocasiões, tais como na Revolta de Canudos (1893-1897), no nordeste, liderada pelo carismático Antônio Conselheiro, na Guerra do Contestado (1912-1916), no sul, liderada pelos monges João e José Maria, e em outros movimentos, ou, ainda, buscando a solução em líderes políticos com perfil ditatorial e/ou carismático, ‘salvadores da pátria’, tais como Getúlio Vargas. Mais atualmente, nas figuras polarizadas e polarizantes de Jair Bolsonaro e de Lula da Silva, ambos com seus fiéis (e muitos até fanáticos) seguidores. Uma verdadeira ‘religião’. E, por falar em religião, o mesmo se observa no país, no âmbito das igrejas, mormente no meio evangélico, em um caldeirão de inúmeras lideranças descompromissadas com o Evangelho, mas comprometidas com a ganância e interesses pessoais e de poder, também com seus fiéis e, até, fanáticos seguidores. Para não ser acusado de estar sendo injusto, o mesmo pode ser observado em outros segmentos religiosos fora do contexto evangélico,  quer sejam cristãos ou não. Ninguém está livre de se tornar um ‘zumbi’ político-ideológico-religioso, trazendo consequências negativas para si mesmo e para a coletividade.

Resumidamente, as palavras do grande pensador chinês postas na abertura deste artigo, quase que traduzem a situação em que estamos hoje no Brasil – e em boa parte do planeta. O filósofo principia apresentando-nos uma situação de governança ideal. Em seguida, discorre sobre os problemas que podem surgir e finaliza com a advertência de que a superação destes só se inicia pela via da transformação pessoal.

O grande drama que vivemos política e socialmente no Brasil atualmente (e sempre), não nos sobreveio repentinamente. É algo que vem sendo construído ao longo de décadas, séculos. E nós, brasileiros, somos os principais agentes desta obra… e dela sofremos as consequências. Para construirmos e usufruirmos um mundo melhor, não podemos nos furtar de um aperfeiçoamento pessoal e, consequentemente, das instituições que nos cercam. E isso demanda tempo, reflexão e ação nossas, conscientes, em um processo contínuo e perene que expresse valores universais da dignidade do ser humano e de preservação do mundo em que habitamos, em detrimento de ideologias. E esse é um drama, e desafio, que atinge toda a humanidade.

É com você, amigo leitor!

Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (“Reflexões” – Youtube e Facebook), advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna

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