Opinião / Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
O mineiro é conhecido mundo afora por qualidades múltiplas, dentre as quais a cultura, culinária, música de fino trato, cordialidade, temperança e, sobretudo, por saber fazer uso do silêncio. Nem de longe foi o caso do governador Romeu Zema (Novo) durante a gravação do Podcast Pauta Quente, em Divinópolis (MG), no dia 10 de janeiro último.
Em atitude grotesca, não ofendeu apenas a uma das mais aclamadas escritoras do país, a poetisa Adélia Prado, já indicada pelo conjunto da obra para integrar a Academia Brasileira de Letras. Ofendeu, sobretudo, a integridade física e moral do povo mineiro com sua falta de educação, formação cultural e literária.
E saibam quem lê este texto: Romeu Zema é palestrante para muitas ocasiões neste Brasil de muitas faces. E ao fazê-lo, ousa discorrer sobre temas relevantes neste rincão brasileiro como “Liberdade e Democracia”. Quando se pergunta: como se ter liberdade num estado democrático de direito sem livros? Como viver e praticar a democracia sem afagar a cultura no que esta tem de mais sublime, en passant, o amor aos livros?
“Há males que vêm para bem”, diz o ditado, porquanto se tira proveito desse chiste, fiasco, gafe – seja lá o nome que se queira dar ao pavoroso momento do governador de Minas Gerais em entrevista àquela emissora de rádio na Cidade do Divino. A partir de então, é o que se espera, pode então acontecer um novo ciclo na cultura mineira e no país. Mesmo porque Adélia Prado passou a ser conhecida nacionalmente em todo o país e é, sem sombra de dúvida, uma das glórias da literatura do Brasil.
Já na altura de seus 87 anos, Adélia Prado, ela ainda mora em Divinópolis, tem como obra principal o livro “Bagagem”, por sinal, o primeiro publicado e curiosamente o mais conhecido. E quem a lançou ao mundo da literatura foi exatamente o mais aclamado poeta brasileiro, o também mineiro Carlos Drummond de Andrade.
Não que os políticos devessem ter amizade com livros, autores e usufruíssem de boa formação acadêmica e literária. E gostassem de ler, ter boa ligação com a cultura em amplitude singular, setor tão jogado às traças no país por nossos políticos e governantes e sabemos bem por quê. Mas, convenhamos, um mínimo de decência é preciso. Ficasse quieto quando lhe entregaram o livro. E outra: o governador é assíduo frequentador da cidade de Divinópolis onde mantém negócios e contatos políticos.
Ao tomar conhecimento do fato, sinceramente pensei tratar-se de notícia fabricada ou algo parecido. Mas não. Lá estava Zema com o livro na mão, todo sem graça – e não era pra menos – quando ouviu do entrevistador que Adélia Prado não trabalhava na emissora. Mas, sim, uma escritora “orgulho” daquela comunidade, de Minas e do Brasil.
“Cala a boca, Magda!”, diria Caco Antibes à parceira do humorístico “Sai de Baixo, personagens vividos por Miguel Falabella e Marisa Orth. Não é humor. É pavor mesmo. Governador de um estado em que se notabilizam os maiores escritores do país, tais como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Fonseca, Frei Betto, Conceição Evaristo, Sérgio Vaz, Ana Martins Marques, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pelegrino, Paulo Mendes Campos, Carolina Maria de Jesus – passar por esse vexame, é indesculpável.
Aproveita-se o feriado de Carnaval para dizer ao não tão ilustre cidadão e governador de estado, Romeu Zema Neto, ou simplesmente Romeu Zema, que nem tudo é Carnaval! Aproveite e se debruce sobre a cultura mineira no que temos de mais edificante e sagrado. E faça bom proveito.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)