DANIEL MEDEIROS
Um recente relatório da OCDE coloca o Brasil em segundo lugar entre os países com maior número de jovens que não trabalham e nem estudam. O primeiro lugar é a África do Sul. Completam o pódio dos cinco a Turquia, Colômbia e Costa Rica. De cada 3 jovens, 1 não trabalha e nem estuda em nosso país. Curiosamente, na mesma semana da publicação desses dados, o IBGE divulgou um novo mapa mundi, com o Brasil situado no centro do mundo.
Ou seja: a dissociação cognitiva é quase constrangedora. Enquanto as autoridades tentam emplacar uma espécie de geocentrismo redivivo, os números afirmam, quase aos berros, que o futuro do país é o subúrbio do planeta.
O que se pode esperar de jovens entre 16 e 24 anos que não aprendem e nem produzem nada? O que fazem de seu tempo? Atividades informais, legais ou nem tanto, pra garantir uma graninha, horas e horas nas redes sociais, ócio e tédio, pai e mãe dos vícios e das ações equivocadas. Cabeça vazia… Diante disso, de que serve a imagem ufanista se não há políticas públicas efetivas, concretas, para inserir esses jovens no mundo da cultura, tecnologia, conhecimento e, principalmente, trabalho? O país está no centro do mapa do IBGE. Já os jovens pobres das periferias dos grandes centros desaparecem do mapa.
Não parece surpreendente essa outra notícia da semana: depois de um ano de governo, nenhuma das 3.700 obras de educação paradas é retomada. Nenhuma. Somos o centro do mundo, mas a escola não é o centro de nada. Ao mesmo tempo, o Congresso aprova um arremedo de reforma de Ensino Médio, mudando sem mudar nada e condicionando o que pode acontecer de melhor – ensino integral e profissionalizante – a investimentos robustos na infraestrutura das escolas e na formação de professores. No entanto, as notícias da semana informam-nos de mais essa medida: “governo corta verba de bolsas de estudos e da Educação Básica, além de tirar dinheiro da Farmácia Popular”. Alguém avisa o pessoal do IBGE que o mapa com o Brasil no centro do mundo tá mais parecido com uma piada de mau gosto!
Na outra ponta, o sucesso de países improváveis, como a Estônia, a Irlanda e a Polônia, sem falar em Singapura e Hong Kong, deve-se a investimentos maciços em Educação, investimentos eficazes e eficientes, focados na formação de professores, tecnologia, cuidados com a educação básica, profissionalização dos jovens, pensando na sociedade em rápida transformação, com destaque para as mudanças provocadas pela Inteligência Artificial e a Internet das Coisas. A razão desse sucesso é óbvia. Nada será como antes no futuro próximo. E nós, iguais como sempre, patinando eternamente em nossa incapacidade de investir em qualidade real, palpável, capaz de ser usufruída de verdade. Nossa eficácia resume-se aos discursos, aos cartazes, aos slogans, aos mapas com o Brasil no centro.
Fui um jovem em uma família que superou a pobreza por muito pouco e diversos itens de consumo da classe média brasileira eram sonhos distantes para mim, desde a simples goma de mascar até ter mais de um sapato por vez no armário. Mas uma coisa jamais foi discutida, jamais entrou na pauta dos cortes orçamentários da minha família: educar-nos. Pois os filhos precisavam ter mais chances do que os pais. Minha mãe teve de deixar a escola no terceiro ano primário, pois não tinha dinheiro para comprar o uniforme. Meu pai fez o Ensino Médio já adulto, em um supletivo. Eu e meu irmão entramos na Universidade Federal. A lição da falta que marcou a vida deles tornou-se a obsessão de não permitir a História repetida. E isso também sem o apoio dos governos da época, que investiram muito pouco em escolas e muito menos em qualificação dos professores. Quando cresci e participei da redemocratização, ouvi, animado, as promessas dos novos tempos: mais escolas, melhores escolas, futuro melhor. Houve melhoras, até porque era muito difícil ser pior do que os incompetentes governos militares. Mas, mesmo assim, ficamos muito aquém do esperado. E chegamos onde chegamos. O que se pode esperar de um país que tem a terceira maior população carcerária do mundo e o segundo maior contingente de jovens sem estudar e sem trabalhar no planeta? Sim, senhores burocratas do IBGE, estamos mesmo no centro do mundo: no centro do pior prognóstico de futuro possível. E se não formos nem capazes de reconhecer a urgência do problema e nem capazes de agir com desenvoltura e rapidez, o Brasil do futuro não vai nem aparecer no mapa.
DANIEL MEDEIROS, doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo