3 de fevereiro de 2025
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Não vou dizer que incidentes envolvendo conhecidos em golpes na internet me chateiam, porque é verdade. Chateiam. Mas, desta vez, a bola da vez fui eu. O próprio.
Lá estava eu, mergulhado no trabalho, sem tempo para almoço, sustentado apenas por água, uma fruta e os biscoitinhos da Assunta. Até que o celular toca. Na tela, um senhor simpático, de voz pausada, pergunta se me filio ao grupo de mototáxis e Ubers de Formiga. E mais: se aprovo, se acho válido, se concordo.
Sem tempo para ponderar possíveis ciladas, soltei um “sim” automático. E, para não parecer indiferente, arrematei com uma nota: oito. Achei que tinha encerrado ali. Minto. Não encerrei. Foi aí que a coisa desandou.
Uma hecatombe digital se abateu sobre mim. Hackearam meu número. Como? Sei lá. A partir daí, começaram a agir: pedindo dinheiro em meu nome, vendendo aparelhos eletrônicos com logomarca e tudo. Televisores, ares-condicionados, geladeiras… Literalmente, entrei numa fria.
A ousadia atingiu níveis insuportáveis e absurdos. Até minha esposa quase caiu no golpe. Quase. Mas não caiu. Salvou-se por dois motivos: primeiro, porque não põe fé no Pix; segundo, porque os golpistas assassinaram o português com crueldade.
– “Pode mim mandar…”
Ao ler essa pérola, soube na hora: esse aí não é meu marido.
E foi assim que naveguei por mares nunca dantes navegados – sem Luís Vaz de Camões e muito menos Fernando Pessoa, com seus heterônimos.
Vi o mundo de outras formas. Da pior maneira possível. Eu, pedindo dinheiro por aí? Difícil de engolir.
No que vai dar? Não sei. Mas que fique a lição: antes de responder a qualquer pergunta aleatória no celular, pense. Desconfie. Desligue.
Tudo começou de forma inusitada, num dia de trabalho comum. O celular tocou. Do outro lado da linha, um senhor simpático, trajando terno e gravata, apresentou-se com um sorriso cativante e uma pergunta aparentemente inofensiva sobre mototaxistas e Ubers em Formiga.
Se a prudência tivesse falado mais alto, talvez eu tivesse optado pelo “tanto faz”. E a vida seguiria mansa, com direito aos afagos da paz.
Mas, como diria Eça de Queiroz, “Ledo e quedo engano”. Afinal, os tempos mudam, mas a astúcia dos espertalhões sempre encontra novos caminhos. Se no século XIX Eça ironizava a modernização apressada de Portugal, hoje, talvez ele zombasse da nossa confiança cega na tecnologia — que veio para facilitar a vida, mas também sofisticou os velhos golpes.
Dito pelo não dito e acontecido, espero que esta crônica sirva para alertar outros desavisados.
Se eu caí, qualquer um pode cair. O segredo é levantar com classe, sacudir a poeira digital e seguir em frente, sorrindo – nem que os nervos incomodem.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com).