Música

Músicas geradas por IA e tocadas em lojas rende debates entre artistas e associações

18 de agosto de 2025

Com falta de regulamentação, uso das faixas levanta questionamento sobre arrecadação de direitos autorais / Foto: Reprodução/Web

Marília Neves

 

SÃO PAULO – O rapper Don L viveu uma experiência inusitada ao entrar em uma loja de utensílios do lar e ouvir músicas que pareciam misturar estilos de Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, mas com letras estranhas, nas palavras dele, “tentando ser uma coisa de empoderamento feminino de um jeito super tosco”. Sem conseguir identificar a autoria pelo aplicativo de reconhecimento musical ou pelo Google, ele concluiu que as canções eram geradas por inteligência artificial (IA). “É um crime perfeito”, resumiu.

A cena não é isolada. Vários usuários já registraram o uso de trilhas sonoras criadas por IA em estabelecimentos comerciais, levantando suspeitas de que lojistas buscariam evitar o pagamento de direitos autorais. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), porém, afirma que a cobrança continua sendo feita normalmente. “O Ecad vai encaminhar o boleto para cobrança, independentemente do que esteja sendo tocado”, garantiu a superintendente Isabel Amorim.

Mesmo assim, a questão abre dúvidas jurídicas. Para Luiz Augusto D’Urso, coordenador do Conselho de Segurança Cibernética e de Dados Pessoais da Associação Comercial de São Paulo, não há intenção de fraude, mas sim de economia. “Criar uma música por IA custa muito menos do que contratar estúdios, músicos e intérpretes”, explicou. Ele pondera, no entanto, que não existe obrigação legal de pagar direitos autorais por músicas criadas por IA, já que a lei não prevê essa situação.

O caso mais conhecido é da rede Ri Happy, que criou uma rádio própria com trilhas personalizadas para crianças e famílias, todas produzidas por inteligência artificial. Após cobrança do Ecad, a empresa alegou não ter dívida, uma vez que as faixas não seriam registradas como obras autorais. O impasse expõe a falta de regulamentação sobre o tema.

O Ecad afirma que continuará arrecadando normalmente, pois entende que músicas geradas por IA se baseiam em obras já protegidas. O desafio, segundo o órgão, é definir como será feita a distribuição dos valores

Para artistas como Don L, porém, a prática é um risco à criatividade. “É plágio de várias fontes e uma limitação da criação humana”, disse. Ele defende um debate urgente entre músicos para impedir que produções 100% artificiais dominem o mercado. Enquanto o marco regulatório da inteligência artificial não avança no Congresso, a disputa sobre direitos autorais das músicas feitas por máquinas permanece em aberto.