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Mulheres, dias, meses, anos e anos

Marli Gonçalves

Nós, mulheres, nos espalhamos cada vez mais em todos os campos da sociedade. Não há o que não possamos fazer e todo dia entendemos e ouvimos que podemos tudo, ser o que quisermos ser, um mantra usado para nos dar força e destacar a ocorrência de algum pioneirismo que por ventura ainda reste sem nós aqui ou ali.

Isso é notícia. De um lado, legal, porque incentiva mais e mais outras mulheres, mas teremos chegado realmente a algum lugar somente quando isso tudo for naturalizado, o que ainda nos parece infelizmente distante e embora tenhamos dado alguns passos bem largos nas últimas décadas. Mas também demos muitos outros passinhos, devagar, devagarinho. Sempre tem quem ainda ponha um pé na frente para o tropeço; algum grupo reacionário se juntando para perturbar e retroceder.

Já há quase 50 anos acompanho esse assunto e não só por ser mulher, mas mulher, jornalista, feminista e com todas as características do contra para quem ainda não entendeu a história: diferente, solteira e sem filhos por opção, o que ainda, acreditem, causa furor. Que enfrentou desde muito cedo toda a sorte do que ocorre com a mulher brasileira, inclusive o horror da violência doméstica, da qual não é possível esquecer ou até mesmo muitas vezes se recuperar.

Violência esta que em pleno 2023 se apresenta a toda e todos nós com números cada vez mais vergonhosos e crescentes. Parecemos estar todos os dias iniciando e me surpreendo sempre quando ainda listamos as palavras inclusão, igualdade, segurança, respeito, entre as mais mais de um tudo que nós, mulheres, precisamos conquistar para todas.

Essa semana mesmo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma pesquisa alarmante, o que já intuíamos ao seguir o noticiário diário. Um terço das mulheres brasileiras já sofreu violência física ou sexual de parceiros. Houve crescimento de todas as formas de violência contra mulher no último ano de 2022 (pior até do que durante a pandemia, que já foi bem punk). Mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência no último ano.

São mais de 50 mil vítimas por dia. Ao todo, 28,9% das mulheres, ou 18,6 milhões, sofreram algum tipo de violência ou agressão no último ano, a maior prevalência já verificada na série histórica (desde 2017 a pesquisa se repete de dois em dois anos). A cada segundo uma mulher sofreu assédio aqui no país.

Isso tudo já é péssimo, mas piora quando se sabe que em quase metade dos casos de agressão, 45% – e aí você põe espancamento, chutes, socos, pontapés e outras amarguras – as vítimas não tomaram nenhuma atitude, seja por medo de represália ou por achar que não era algo tão grave. O famoso foi só desta vez, vai passar, ele não é assim todo dia, não vai fazer mais, prometeu e pediu desculpas … Por vergonha ou medo.

Ou uma outra coisa qualquer, que não é fácil, gente, principalmente para as que têm filhos, sob ameaça. Filhos, tantos deles, que com o aumento da violência acabam sendo testemunhas da morte da própria mãe, o que certamente os marcará por toda a vida. Agora até vem sendo discutida a liberação de um valor destinado aos órfãos dos feminicídios, tanto se tornaram visíveis. Só no primeiro semestre do ano passado, 699 mulheres foram mortas. Conte e some outro tanto no segundo semestre que não vai ser muito diferente, e pode até ter piorado.

Estamos em grande perigo. Nessa área aí está tudo piorando, muito e rapidamente, para o lado das mulheres: essas mortes, a violência, assédio, estupros. Grupos misóginos se juntando virtualmente para conspirar e atacar. Alguma coisa está acontecendo, e bem errada, e é bom que se aproveite esse agora tão festejado Dia da Mulher para discutir e resolver isso o quanto antes. Não adiantam só flores e chocolates; o dia 8 de Março é de luta, coisa séria, que o mercado publicitário busca envolver e absorver com suas sugestões de consumo sem dar em troca a divulgação das necessidades urgentes.

Do meu ponto de vista, estamos tratando aqui de comportamento cultural e costumes – daí a necessidade de agirmos rápido para interromper essa realidade. Isso tudo vem sendo construído como uma espécie de oposição, como reação raivosa ao que nós mulheres temos conseguido e onde muitas vezes chegamos e nos mostramos até mais competentes. Aos espaços que abrimos e à liberdade maior que conhecemos, inclusive a sexual.
Que não deixemos passar mais tantos dias meses, anos, minutos. Nem mais um segundo.

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.

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