16 de agosto de 2024
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J.R. GUZZO
O jornalista Glenn Greenwald é um blogueiro de extrema direita? Não, não é. A Folha de S.Paulo é um jornal golpista? Também não é. E o jurista Nelson Jobim, que foi ministro de Lula, de Dilma Rouseff e do STF, e alto tucano no tempo em que existia o PSDB – ele é bolsonarista? De novo: não é. Convida-se, então, o governo Lula, a esquerda nacional e o próprio STF a explicarem por que Greenwald, que publicou as gravações que levaram a Lava Jato à óbito, publica agora na Folha gravações comprovando que o ministro Alexandre de Moraes usou a máquina do TSE para instruir decisões tomadas por ele próprio no STF.
Ficam convidados, também, a esclarecer por que Jobim decidiu afirmar em público que não houve golpe de Estado nenhum no dia 8 de janeiro. É a razão de ser de toda a atividade penal do Supremo no último ano e meio: são milhares de prisões, acusações de repressão ilegal e condenações a até 17 anos de cadeia para pessoas que participaram de um quebra-quebra em Brasília. Se não houve golpe, como justificar isso tudo?
É uma cláusula pétrea na doutrina que comanda hoje todo pensamento da esquerda brasileira – criticar a conduta dos ministros do STF, dar qualquer notícia que eles não querem ver publicada e, sobretudo, dizer que o golpe do 8 de janeiro nunca existiu se deve unicamente a uma articulação da extrema direita golpista. Só os bolsonaristas, e mais ninguém, fazem esse tipo de coisa. É tudo fake news, ato antidemocrático e “ataque” ao STF.
E agora, com as evidências de incesto entre STF e TSE para fabricar provas e a negação do golpe pelo ex-ministro Jobim? Estariam Glenn, a Folha e Jobim agindo de forma combinada e simultânea para fechar o Supremo e instalar uma ditadura fascista? Não faz nenhum nexo – como nada, nunca, fez nexo na ficção de que o STF é o Santíssimo Sacrário da democracia no Brasil.
O STF é aquilo que ele é no mundo das realidades, e as gravações agora publicadas sobre o tráfico de ordens obscuras no altíssimo judiciário são uma demonstração em HD das coisas que se dizem e que se fazem no mundo de sombras no qual opera a célula de ação político-policial criada no País pelo STF.
É um bas-fond judiciário em que um juiz diz para um funcionário, por exemplo, que ele deve aplicar sua “criatividade” para produzir o tipo de relatório que o ministro Moraes estava querendo receber. No caso, a intenção era “desmonetizar” a revista Oeste – e quando o funcionário diz que só encontrou conteúdos jornalísticos no material que havia examinado, recebeu a ordem de inventar alguma coisa para satisfazer o ministro. “Ele está cismado”, diz o juiz. “Quando fica assim, é uma tragédia”. Em outro momento, Moraes se mostra impaciente com a demora no atendimento de suas solicitações. “Vocês querem que eu escreva o laudo?”, diz ele. E por aí se vai – até o momento.
Isso não é “bolsonarismo” – são os fatos. Mas no Brasil de hoje existem dois tipos de fato. Um é o fato real, como o que aparece nas gravações. O outro é o fato do STF, que, depois de processado pelos ministros, passa a ser precisamente o que eles querem que seja.
Na história das gravações, não houve nenhuma explicação coerente para nada – apenas uma espécie de decreto judiciário dizendo que tudo ali foi legal, pois Alexandre Moraes julgou o que ele próprio tinha feito e chegou à conclusão que era legal. O Brasil foi informado, igualmente, que tem uma nova polícia – a polícia eleitoral do TSE e que, portanto, tudo isso está valendo.
Os outros ministros, o advogado-geral da União e o presidente do Senado batem palmas. Todos eles, como se sabe, são inimigos de qualquer anistia para os crimes que não foram cometidos no golpe que não foi dado – pelo simples fato, entre tantos outros, de que em dezoito meses de investigações não apareceu nenhuma prova decente contra os acusados. É possível, um dia, que venham precisar de uma anistia para si mesmos.
J. R. GUZZO é jornalista.