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O avesso de um bordado, mesmo oculto por detrás do pano, traz significados que ajudam a entender melhor o próprio trabalho. Foi tal raciocínio que levou a escritora e jornalista Mariana Filgueiras a titular de “O Avesso do Bordado a biografia do ator Marco Nanini”, lançada agora pela Companhia das Letras. Fruto de quatro anos de pesquisa, entre entrevistas e consultas a documentos, a obra tem a qualidade de não se limitar a retratar a vida profissional de um dos principais artistas brasileiros, mas também a de revelar histórias íntimas e a contextualizar o ambiente onde cada fato aconteceu.
Afinal, a trajetória de Nanini se confunde com a própria história da cena brasileira desde 1965, quando ele pisou em um palco pela primeira vez.
E, tal qual o avesso de um bordado, o livro traz informações pessoais e pouco conhecidas sobre o homem que, quando chega em casa, deixa para fora a persona pública, os namoros (de Marília Pêra a Wolf Maya), as grandes amizades (como Pedro Paulo Rangel e Camila Amado), uma inusitada cumplicidade (com Renato Russo) e ainda a família (seu pai Dante inspirou-lhe na criação de Lineu, de A Grande Família, tanto na correção de caráter como no uso do cinto acima da barriga).
Há espaço também para relembrar a dependência de Mandrix, droga comum nos anos 1970 (e proibida na década seguinte). “Havia muita história que eu mesmo não lembrava mais”, diverte-se Nanini, em entrevisa. “E, ainda que muita coisa ainda cause estranhamento, sei que não tenho nada a perder”. Próximo dos 75 anos (completa em 31 de maio), Nanini construiu uma carreira cuja excelência encontra poucos exemplos na história da arte dramática brasileira.
Nascido em 1948 no Recife, Nanini viveu ainda em Manaus e Belo Horizonte (graças à função do pai, gerente de hotéis) até se fixar no Rio de Janeiro, onde estreou como ator em 1965, na peça infantil O Bruxo e a Rainha. O talento inato o levou ao Conservatório Nacional do Teatro, onde começou a lapidar suas inúmeras qualidades.
A aprendizagem coincidiu com a fase mais repressiva da ditadura militar. “Os anos de 1960 e 70 foram de muito sufoco. Todo dia, acontecia algo, a gente não podia ver uma farda sem ter medo”, relembra Nanini, que forjou seu talento na época a partir da convivência com artistas como Milton Carneiro, Dercy Gonçalves e Afonso Stuart, especialmente com a humorista. “Dercy tinha o sentido da comédia, o tempo do humor, a escolha certeira dos textos”, comenta.
Outro nome essencial à lista é o de Marília Pêra (1943-2015), com quem Nanini talvez tenha mais se aproximado artisticamente. Habitualmente reservado em relação à vida pessoal, Nanini conta histórias de seus amores no livro, tanto a breve relação com Marília, como com outros homens, como com o diretor Wolf Maya, eles moraram junto com outros atores, na chamada República Resedá, nome inspirado na rua onde se localizava o imóvel com vários quartos.
“Com Wolf Maya, a amizade fortalecida pelo ambiente doméstico virou paixão; a paixão virou um romance rápido e, antes que a magia da Resedá se desfizesse, o romance tornou a virar amizade”, escreve Mariana Filgueiras no livro, que lembra ainda um caso com um professor de balé.