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Lembrança dos sermões do Padre Antônio Vieira

FOTO: REPRODUÇÃO

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO

Lembro-me de que, há tempos, durante as aulas de língua portuguesa, alguns textos didáticos surgiam com sermões de Vieira para que os alunos pudessem ter acesso a níveis de linguagem mais complexa e, ao mesmo tempo, obtivessem chances de refletir mais profundamente sobre questões relevantes da existência humana.

Nos atuais momentos de excesso de informação e comunicação, com inúmeras pessoas em busca da notoriedade nas plataformas virtuais, muitas vezes até com fortes doses de bizarrice e despreparo, Padre Vieira se torna uma fonte não somente da bela arquitetura das palavras, mas do sentido crítico e reflexivo em relação às condutas individuais e a quaisquer instituições de poder.

Ler Vieira significa, por tal alcance, um facho de luz em meio à profusão de mentiras, inconsistências e até anseios, a qualquer preço, por cargos decisórios, seja em que esfera o for − ou nos meandros da coisa pública, ou nas entidades de natureza privada. Ler Vieira é poder enxergar os vícios da hipocrisia e compreender a importância de que palavras e atos ao menos ocorram sob um mínimo de princípios sólidos e coerência.

Embora escritos em século distante, tais sermões podem muito bem ser interpretados de maneira extensiva. Ora, como clássicos que são, mantêm a atualidade. Aliás, são mais válidos ainda nas circunstâncias em que costumamos ser inundados por planos de realizações, compromissos e até promessas. De marketing eleitoral, a propósito.

Antônio Vieira nasceu em Lisboa, no ano de 1608, e logo veio para o Brasil, em Salvador, onde iniciou os estudos de teologia, retórica e filosofia no Colégio dos Jesuítas. Falecido em 1697, também em Salvador, sua história é plena de atos políticos e religiosos, não apenas contra a escravidão dos índios no Brasil colônia, mas no acolhimento dos cristãos e na conversão dos infiéis aos ensinamentos bíblicos.

Reconhecido pela exímia oratória e dono de uma lógica e um raciocínio impecáveis, Padre Antônio Vieira é tido como talvez o grande nome da prosa barroca em língua portuguesa durante o século XVII, uma época em que grande parte da vida social, tanto no Brasil, quanto em nossos irmãos d’além mar, era regulada pela Igreja. Sua obra contempla mais de 200 sermões e 700 cartas, dentre outros tratados proféticos.

Os sermões surgiram então como essa forma de doutrinamento e circulação de informações aos fiéis e aos que se desejava converter ao cristianismo. Vieira foi um mestre no estilo. Basta lê-los para constatar o fato.

Crítico ferrenho dos poderes, inclusive o eclesiástico, e da conduta das pessoas comuns, o envolvimento com seu texto faz o leitor penetrar na essência do Verbo divino e também do que está em torno das decisões e estratégias dos que detinham os postos de comando na corte e na Igreja apenas para vantagens próprias.

São discursos escritos em longos períodos de estilo barroco, pois repletos de figuras de linguagem que almejam convencer os ouvintes e leitores com vários exemplos a respeito das mensagens das escrituras sagradas, na incessante busca da verdade real, cristã, e, por tal natureza, incômoda aos que não a praticam na plenitude.

A crítica às injustiças, à ganância dos poderosos, às meras vaidades e à corrupção − vejam bem quão longa é a corrupção −, estão sempre presentes em seus “Sermões”. Não faltam, porém, a defesa da tolerância, do perdão e do ideal de comportamento dos cristãos, sobretudo como alerta aos que ostentavam os púlpitos da Igreja para professar a fé.

Não lhe bastam as aparências, é preciso mais, muito mais. É preciso aliar palavras a atos, porque palavras sem a correspondência dos atos a nada conduzem. A retórica desprovida de ações efetivas e a persistência da hipocrisia só servem à trapaça, à exploração ou à vanglória fútil, insiste.

Como manifestei acima, em termos de alcance linguístico, sua leitura apresenta uma forma de escrita que estimula o aprimoramento do leitor no manejo da semântica, dos tempos verbais, da ordem das frases e das pessoas do discurso. Mas o conteúdo em si do que ele expõe em sermões do século XVII continua aí – reitere-se −, diante de nossas faces.

Cabe, portanto, aos que pleiteiam e obtêm postos públicos ir além do abuso das palavras, dos subterfúgios, das negociatas, do populismo ou da demagogia, para que, por meio de positivas ações racionais, as ideias que professam transmitam confiança, tragam esperança e mereçam respeito.

“Antigamente, convertia-se o mundo, hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem.” (trecho de “Sermão da Sexagésima”)

“… o roubar com pouco poder faz os piratas; o roubar com muito, os Alexandres…” (trecho de “Sermão do Bom Ladrão)

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)   

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