Opinião

Lembrança de Macbeth, um clássico de Shakespeare

10 de julho de 2025

Alberto Calixto Mattar Filho

Das questões preponderantes na conduta humana ao longo dos séculos, a luta pelos poderes talvez seja mesmo a mais intensa e com efeitos os mais abrangentes para aqueles que devem se submeter ao comando de quaisquer instituições.

O poder, assim como o sexo, o álcool, as drogas e os jogos, também pode se transformar em um vício e causar dependência. Em nome dos postos almejados e da satisfação dos anseios, inúmeras pessoas acabam se tornando capazes de tudo que lhes estiver ao alcance, nem que tenham que praticar atos de arbítrio

Ao molde de uma droga que provoca alucinações, o sujeito descamba para a egolatria ou megalomania.  Não há nenhum dos níveis da esfera pública, Executivo, Legislativo e Judiciário, que esteja isento dos riscos para seus integrantes.

É preciso, pois, estar atento ao que apregoam ou decidem aqueles que se consideram aptos a determinar os rumos das nações. Muitas vezes, os argumentos de que se valem para as medidas que pretendem impor não passam de sofismas.

Sim, sofisma. Trata-se de um termo que precisa ser mais conhecido e pesquisado. Importante trazer tal palavra ao cenário dos embates.

Sofismas, em síntese, são argumentos que aparentam ser verdadeiros, porém, se analisados mais a fundo e com dados mais consistentes, há de se perceber que não se sustentam e servem apenas para ludibriar a quem os recebe de boa-fé. Inúmeros são os exemplos oriundos das hostes dos três poderes.

No Judiciário, por exemplo, isso ficou bastante claro nos votos dos ministros que decidiram responsabilizar as plataformas digitais pelo conteúdo de terceiros, ao estenderem a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O Executivo e o Legislativo não fogem à regra. Seus membros costumam viver de discursos repletos de sofismas para atingir os objetivos que os norteiam, que envolvem muito mais a manutenção dos próprios cargos do que trabalhar realmente em prol dos direitos da população.

Todo esse panorama de argumentos falaciosos, ou para manter postos a qualquer custo, ou, no caso dos ministros do STF, para representar a luz da civilidade e o filtro do debate público, traz à memória o clássico Macbeth, de Shakespeare.

Claro que o exemplo de Macbeth é extremo. Mas Shakespeare é uma espécie de mestre dos extremos. No texto, tudo se resume à paixão, devoção ou vício pelo poder, algo a que assistimos diariamente nas esferas das instituições. E são tentações que costumam levar os postulantes aos mais doentios graus de paranoia.

Embora não estejamos sob as circunstâncias da violência de Macbeth, não faltam os sofismas dos atuais pretendentes a salvadores do povo, com boas doses da drástica paranoia que acometeu o personagem de Shakespeare, uma vez aptos para subjugar quem pensa de modo diverso ou se opõe às diretrizes  que vociferam.

Pois bem, Macbeth era apenas um valoroso soldado do reino britânico quando recebe uma profecia de três bruxas, que, em uma aparição, lhe dizem que ele se tonará o futuro rei.

Após o presságio, sua mente fica absolutamente tomada pela tentação de que isso se torne realidade, pois, logo em seguida, conta tudo a sua mulher, Lady Macbeth, que, mais ambiciosa do que ele, passa a persuadi-lo a assassinar o atual rei Duncan para que o trono então viesse a pertencer ao marido. É o que ocorre.

Entretanto, quando ele enfim se torna rei, os temores de que poderiam lhe tomar o reino o atingem de tal modo, que passa a ver, por toda parte, inimigos que precisam ser eliminados.

“Não há ninguém em cuja casa eu deixe de ter algum espia…” (pág. 60)

A tragédia resulta, assim, em uma espécie de banho de sangue. Atormentado por fantasias mórbidas e inseguro em manter o trono, Macbeth passa a encomendar cruéis assassinatos de quem ele imaginasse que pudesse lhe roubar a coroa.

Porém, como em tudo há um preço, o desfecho da peça trará consequências até para Lady Macbeth, que também assolada por culpas e pensamentos patológicos, começa a perambular diariamente em insónias terríveis pelo palácio.

Os diálogos da peça são célebres, uma vez que trazem toda a carga emocional do ser humano em luta pelo poder, além dos efeitos que decorrem dessa obsessão, inclusive os instantes em que passam a surgir os inimigos de Macbeth com o intuito de vingança.

Se, na obra, Shakespeare nos brinda com as circunstâncias do poder de um reino, nada impede, contudo, que a tragédia sirva de exemplo para o que acontece ao nosso redor.

De fato, poderes, ainda que aparentemente mínimos, podem sempre gerar conflitos e atitudes mesquinhas, cruéis e paranoicas, caso faltem virtude e equilíbrio aos detentores dos postos de comando.

Inegável que o poder é atraente e pode trazer glórias a quem o alcança. Mas sempre carrega consigo riscos de vaidade excessiva e ações insanas para sustentá-lo.

Em “Macbeth”, Shakespeare vai ao extremo do que acontece com aqueles que se deixam iludir ou envaidecer por ambições ilimitadas.

Um clássico que que merece ser sempre lido, refletido e interpretado nos palcos.

Alberto Calixto Mattar Filho escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)