Leitor

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30 de setembro de 2023

Indígenas e o marco temporal

Não vi o texto do PL do marco temporal, mas tudo indica que daria origem, em tese, a um tipo de lei que a doutrina jurídica chama de interpretativa. Vale dizer, “interpretaria” o artigo 231, da C.F..
Tenho que Pontes de Miranda está certo, quando, radicalmente, afasta a possibilidade de existência desse tipo de lei; o argumento é simples: se a lei interpretativa nada acrescenta, seria, ou é, inútil; se promove alguma alteração, é lei nova, sujeita aos princípios que regulam os conflitos da lei no tempo.

Acho que, pelo que eu entendi, quer o legislativo, à guisa de interpretar norma constitucional, fazer uma alteração substancial de direitos. Necessariamente e de princípio, teria a lei que se originar do PL de mudar o tempo do verbo; passando do presente do indicativo para o imperfeito (terras que os índios “ocupam”, para “ocupavam” em determinada data, 1988)
Não tenho dúvida que há alteração da lei, não mera interpretação dela.

É óbvio, acrescente-se, que uma lei ordinária não pode alterar uma norma de nível constitucional.
Assim, acho que, se a lei for sancionada e não impugnada sua constitucionalidade (alteração de lei de nível superior, atingimento de cláusula pétrea), vai ocorrer novo imbróglio.

Com efeito, como a lei entra em vigência na data de sua publicação, nenhum efeito dela decorrente poderá alcançar fatos (facta praeterita) perfeitos ao tempo da lei vigente à época. Assim, ainda que a lei nova disser que somente são terras indígenas aquelas que ocupavam em 1988, somente disporá para o futuro. As ocupações existentes até a publicação da lei nova estariam alcançadas pela norma de proteção do direito adquirido, também de nível constitucional.
Há centenas de ações em torno do tema que aguardam a decisão do STF, a cujo entendimento deverão se submeter obrigatoriamente os julgamentos daqueles feitos.

Pode ser que os indígenas, com percepção do “status” atual da legislação, se apossem, antes de publicada a futura lei, de áreas que têm como de sua ocupação ancestral, tradicional, cuja posse não mais possuem, gerando mais conflitos.
Vai ser uma disputa judicial longa, com possibilidade de discussão calcada em antigas e consolidadas regras de solução de conflitos das leis no tempo; alguns desses princípios ainda do tempo (eternos?) do antigo Direito romano.
Em tempo: a “ratio” do projeto de lei é prestigiar a segurança jurídica dos atuais detentores das terras indígenas. Indaga-se: nestes últimos 500 anos, alguém se preocupou com a segurança jurídica dos índios, que as detinham todas?

Raul Moreira Pinto – Passos/MG

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