Leitor

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5 de setembro de 2023

Vovó Eva, nossa matriarca

(10/11/1931 – 25/08/2023): Um Legado de Amor, Resiliência e Comunidade – in memoriam
No dia 25 de agosto de 2023, o mundo perdeu uma verdadeira jóia rara, mas ganhou um anjo no céu: Dona Eva como era conhecida, uma mulher de força inabalável, coragem imensa e coração generoso, deixou este mundo após uma queda e batalha de 15 dias na Santa Casa de Misericórdia de Passos.

Nascida em 10 de novembro de 1931, vovó Eva teve viveu 3 épocas e testemunhou momentos de transformação e evolução da nossa região. Moradora da Zona Rural de São João Batista do Glória. Ela cresceu nesse ambiente que ela cresceu e floresceu, moldando-a na mulher excepcional que se tornaria. Somos filhas destas terra, do Parque Nacional da Serra da Canastra.

Minha família por parte de pai e de mãe são uma mistura de brancos, negros, índios e mulatos desta região da Canastra que se encontraram de São Roque ao Glória, do Vale da Gurita a Cachoeira da Capetinga e tem muitas histórias ainda a explorar e descobrir sobre meus antepassados.

Vovó e suas irmãs nasceram em um lar muito simples na Zona Rural do Glória, mas repletas de amor. As lembranças que ela me relatava dos meus bisavós maternos Clotilde e Antônio, era de um casal muito apaixonado e divertido, sempre pregando peças um no outro, e sendo solidários com todos que cruzavam seu caminho.

Dos 09 filhos que tiveram sobreviveram apenas as filhas mulheres. Quatro matriarcas que meu coração nunca esquecerá: Maria Aparecida Martins e Olga Martins Costa Marques (in memoriam) e a minha madrinha, a irmã caçula, Natália do Reis Costa Maciel, todas nascidas de parto natural na roça, sendo que a última, Dinha Natália, guerreira, sobreviveu a um parto pélvico difícil e leva o nome “dos Reis” pela promessa da parteira aos Santos de devoção.

E de algumas das pesquisas que fiz, descobri também que um dos meus antepassados pode ter vindo do quilombo mais famoso da região, o do Pai Inácio, que dizem ter sido tão grande quanto o de Palmares. Os negros aproveitaram a abundância de água e as terras férteis da cabeceira do São Francisco e viviam da agricultura, da pesca e da caça. Desde 1850 meus tataravós cultivavam as terras nesta região, tanto do lado materno quanto paterno.

As margens do rio Capetinga a fazenda Palmeiras pelas mãos dos pais do meu avô Izaltino, meu bisavô Ulisses e bisavó Bertolina, fora nesta época, uma extensão de terras a perder de vista, com carro de boi, gado, monjolo, pilão, fogões antigos e tradições que meus bisavós passaram para vovó e que ela adorava nos contar em detalhes. Hoje a maioria das terras pertencem à família Vilson de Brito e nós mantemos um pequeno sítio das terras que restaram por lá.

Ela conheceu seu parceiro de vida nas festas da Capelinha e de Santos Reis, celebrando as tradições religiosas e folclóricas da Serra. Ela dedicou cada fibra de seu ser para garantir que sua família fosse cuidada e amada, enfrentando os preconceitos de ser mulher e não ter voz, obedecer marido, pai e até os filhos. A luta diária para criar uma família e fazer o impossível se tornar possível é um testemunho de sua resiliência e determinação.

Dona Eva não só superou os obstáculos que a vida lhe apresentou, mas também fez questão de cultivar novos e essenciais valores em sua descendência. Ela me ensinou o valor de ser uma defensora incansável do trabalho em comunidade. Ela entendia profundamente o poder da colaboração e da solidariedade, e sempre esteve pronta para estender a mão aos vizinhos, amigos e até mesmo aos desconhecidos que cruzassem seu caminho.

Sempre partilhou mesmo o pouco que tinham. As visitas e trocas na roça eram constantes. Seu espírito altruísta e bondoso era um farol de esperança em um mundo que, às vezes, parece esquecer a importância de cuidarmos uns dos outros. Sua sabedoria, conselhos e exemplo moldaram a pessoa que me tornei, e seu legado viverá através de minhas ações e escolhas.

Aproveito essa homenagem para agradecer de todo coração, a toda equipe de enfermagem da Santa Casa, ao Dr. Bruno Reis, Dr. Rodrigo Silveira, Dr. Renato, Dr. Walter Alvarenga, Dr. Leonardo e todos que acompanharam nossa luta pela vida tão preciosa de nossa matriarca.

E hoje, enquanto lamento a perda da vovó Eva Martins da Costa, também celebramos a sua trajetória notável, seus 91 anos vividos com muita intensidade e que partiu deste mundo, mas sua presença continuará a ser sentida através das vidas que tocou inspirando-nos a sermos melhores, a nos unirmos como comunidade e a espalhar a amizade e a bondade que ela personificou em vida. Descanse em paz, minha rainha e querida vovó Eva Martins da Costa. Sua luz brilhará eternamente em nossos corações.

Keila Reis – Passos/MG