Opinião

Legado de esperança II (vida com propósito)

18 de dezembro de 2024

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA 

Com a arma apontada para sua cabeça, aguardando o estampido final que lhe tiraria a vida, já resignado de seu destino, ouve, então, o estrondo do tiro fatal: bum! Segue-se breve silêncio… e tomba, ao seu lado, o seu algoz. O que acontecera? Ainda aturdido, sem entender muito bem o que se passava, vê surgir das sombras a figura de um jovem sorridente, com a arma em mãos, ainda fumegando, que lhe diz, alegremente: “Gostei das suas histórias!”. Sim, fora salvo da morte iminente por aquele rapaz que há pouco ouvira o seu relato de uma história de superação em meio a uma tragédia, em que um pequeno grupo de valentes mineiros se salvara em um desmoronamento da mina onde trabalhavam. Esta é uma das cenas impactantes de recente faroeste (‘Relatos do Mundo’) estrelado por Tom Hanks. 

Hanks, vivendo o papel de um contador ambulante de histórias, faz a leitura de jornais da época para uma população em sua quase totalidade analfabeta, viajando por cidadezinhas do interior dos Estados Unidos, no pós-guerra civil. Em uma delas, contrariando o líder local, que explorava os moradores e os mantinha debaixo de abjeta opressão e exploração, ousa desafiar o ‘status quo’, com risco de vida, contando a história dos mineiros que se salvaram de uma tragédia, lutando e vencendo situação adversa. Com isso, em meio àquela multidão oprimida, desperta a esperança de libertação e sonhos de dias melhores no coração de um jovem que lá estava, também, a ouvi-lo… e que, momentos mais tarde, movido por profunda simpatia (“Gostei das suas histórias!”) o salvaria da morte por vingança que seria promovida pelo líder daquela cidadezinha. 

Destino comum 

É verdade que nem sempre encontraremos um “jovem simpatizante” a nos salvar das intempéries da vida – ou mesmo da morte -, como ocorrido na história acima. Mas, uma coisa é certa: a morte nos iguala a todos. Diante disso, o que nos trouxe até aqui, com vida? Certamente foi a esperança de dias melhores (de que nos fala Frankl, psiquiatra austríaco, criador da Terceira Escola Vienense de Psiquiatria, o qual constatou, em suas pesquisas científicas sobre o comportamento humano, que este não é tão somente movido por impulsos inconscientes, como afirmava Freud, mas também manifesta uma espiritualidade inconsciente. Comprova, em sua obra, que há no ser humano uma religiosidade e relação com Deus a nível inconsciente, uma “presença ignorada de Deus”, independentemente de a pessoa abraçar alguma fé religiosa ou de manifestar ateísmo. Uma de suas principais constatações, quando prisioneiro nos campos de concentração nazistas (sobreviveu a três deles), foi a de que, dos que sobreviveram àquela nefasta experiência, a grande maioria era composta daqueles que, mesmo contra todas as expectativas, alimentavam o desejo de viver, por nutrirem a esperança de propósito para além daquelas circunstâncias às quais se encontravam submetidos… esperança de rever um filho, de se reencontrar com a família, de fazer justiça, de construir um mundo melhor… e que duas coisas se intensificaram no comportamento dos prisioneiros, em contraste com a apatia pelas demais:  o interesse na situação política e o profundo espírito religioso) plantada em nossos corações em algum momento de nossas jornadas, seja pelos nossos pais, por um amigo… seja por alguém que cruzou o nosso caminho e nos ajudou (“salvou”) em um momento difícil da caminhada, até mesmo sem percebermos.  Nesses ‘dias estranhos’ em que estamos vivendo, toda a humanidade, levando muitos ao desespero, que possamos nos alimentar das coisas boas que um dia foram plantadas em nossas vidas e, mais ainda, que vivamos com propósito, que sejamos, também, agentes da esperança em um mundo e em momento tão carentes dela. Pode ser a nossa salvação!  

Saúde e paz a todos! 

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (@reflexoeswashington – Youtube, Washington Tomé de Sousa – Facebook), advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna.