Ícone do site Folhadamanha

História da solidão e dos solitários, de Georges Minois

Foto: Reprodução

Alberto Calixto Mattar Filho

Sim, a resenha dessa obra magnífica está na segunda edição do meu livro, lançado em 2023.  

O ensaio de Georges Minois me vem à memória em razão do fortalecimento das comunicações virtuais no mundo, algo que a todos nos envolve.  

Claro que as plataformas tecnológicas são positivas para facilitar qualquer trabalho e dar voz a uma infinidade de pessoas. Hoje, como se sabe, todos os acontecimentos ou pesquisas estão a nosso alcance em fração de segundos.  

Contudo, para além dos fatos em si, tem havido, da mesma forma, um enorme acréscimo das opiniões e embates, muitas vezes sem conhecimento suficiente sobre tantos temas complexos. 

 Pois em meio ao universo das batalhas verbais, sempre defendo que não devemos nos esquecer da prudência, da generosidade e dos princípios éticos.  

 Nesse sentido, a literatura daqueles que pensaram profundamente a existência são uma ótima alternativa para quem não pretende sucumbir ao panfletarismo, à cegueira das militâncias político-ideológicas, à estupidez dos extremismos, e à desonestidade intelectual.   

Bom, portanto, trazer à tona nomes que, em busca do verdadeiro conhecimento, preferiram até se isolar para melhor refletir a respeito de si próprios e do mundo.  

Quando li uma crítica de História da solidão e dos solitários, em meados de 2019, fiquei plenamente tentado a me entregar às 491 páginas, pois o próprio título já indicava um dilema que acompanha o homem desde os primórdios da sua existência, as ambiguidades entre convivência e solidão.  

O autor é Georges Minois, um historiador francês nascido em 1946, cujas obras consistem em ensaios sobre a história das religiões, das sociedades e das mentalidades, especialista que é em tais áreas.  

Um mero olhar ao índice de História da solidão e dos solitários basta para induzir a curiosidade do leitor. Ali, já é possível perceber que Minois estende seus estudos entre a Idade Antiga e os tempos atuais. Os capítulos distinguem, de maneira clara e em ordem histórico-evolutiva, os dramas e dúvidas a respeito da solidão num mundo que sempre a condenou por considerar o homem um ser social.  

Além do tema em si, a obra resulta em excelente guia de informações a respeito de tantos nomes que deixaram seu legado na história.  

O vasto passeio abrange membros do universo religioso, como São Bento, São Jerônimo e Santo Antônio; filósofos gregos, como Platão e Aristóteles; os latinos Sêneca e Horácio e os estudiosos, escritores e pintores que marcaram época na Idade Média, no Renascimento e no período entre os séculos XVIII e XXI.  

Há capítulos que estabelecem, em especial, os pontos de vista de outros nomes de peso como Voltaire, Rosseau, Pascal, Diderot, Victor Hugo, Descartes, Albert Camus, Sartre, Octavio Paz, Freud, Kafka, Tolstói e alguns menos conhecidos.  

O autor utiliza a todos para trazer à baila os eternos conflitos entre sociabilidade e solidão, com muitos capítulos sobre os eremitas que perambulavam pelos desertos, dentre os quais diversos abades, freiras e padres.  

Para ampliar o panorama, Minois avança, não só pelos pensamentos filosóficos e religiosos do tema, mas por suas causas e consequências psicológicas, biológicas e sociais, ao focar em problemas também próprios da vida solitária, como o das prisões, o sentimento de misantropia, a depressão e até os altos índices de suicídio que já ocorriam em séculos passados.  

O historiador procura demonstrar os dilemas entre o homem social, que necessita do convívio alheio, e, por outro viés, seus ímpetos de estar só, em sua solidão única, íntima, talvez incomunicável e incompreensível a terceiros.  

 Páginas após páginas, vamos ficando totalmente absortos pela obra, que nos apresenta esses paradoxos entre convivência e solidão que já nutriam a consciência de eremitas e santos que buscavam, no isolamento do deserto, o verdadeiro encontro consigo próprios.  

Como então harmonizar um mundo que estimula em excesso os contatos, mas que, ao mesmo tempo, escancara nossa própria solidão, é a essência de todo o texto que teremos diante dos olhos e do pensamento.    

No transcorrer, Georges Minois começa a explorar ao máximo as relações entre circunstâncias diferentes e, assim, vai expondo os diferentes efeitos entre conviver em sociedade e estar só. Tudo é válido, mas ambas as situações nos exigem autoconsciência e senso crítico para decidir sobre os caminhos que sempre surgem adiante.    

Só nos resta concluir que são muitos os ângulos de análises, já que o autor penetra em questões típicas da trajetória humana ao longo da história.    

Por ironia, muitas vezes, parecemos estar sós em meio à multidão. Por outro viés,  mesmo isolados, corremos o risco de não nos encontrar intimamente, justo pela falta do importante olhar alheio que nos molda o comportamento.  

Segundo Minois, o velho homo sapiens se transforma, com o passar do tempo, em homo communicans (o homem comunicador). Um homem que tudo pode comunicar ao mundo por simples cliques em seus celulares, mas que continua a sofrer os mesmos conflitos de séculos atrás.  

“[…] a tela do computador ou do telefone, mais do que uma janela para o mundo, é um espelho, no qual bilhões de Narcisos se contemplam. A nova solidão se chama comunicação.” (pág. 491) 

Alberto Calixto Mattar Filho escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br). 

  

Sair da versão mobile