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Glória Maria, cuidados paliativos e esperança

MARCO ANTONIO SPINELLI

Estava dirigindo para mais um dia de trabalho quando a programação da Rádio CBN foi interrompida pela notícia da morte da jornalista Glória Maria, bem dentro do “Hora do Expediente”, um quadro que sempre que possível, acompanho. Um dos comentaristas, José Godói, foi direto ao ponto em seu comentário, sem fugir do viés racial: Glória Maria foi a primeira mulher negra a empunhar o microfone no Jornal Nacional, no tempo que grande parte da opinião pública era formada por esse telejornal em horário nobre. Ela quebrou barreiras e abriu caminho para muita gente.

Muitos depoimentos se seguiram, com mulheres e jornalistas que foram tocadas pela presença energética e exemplo de Glória Maria. Muitas lágrimas e emoção, que respingaram nos meus óculos: eu mesmo lembrando das pessoas que com seus ensinamentos e exemplo me forjaram como médico e pessoa.

Nos dias seguintes, o Jornalismo mostrou, como qualquer área de atuação humana, seu lado brilhante e outro lado não tão brilhante, quando programas de fofocas noticiaram que as últimas duas semanas da incrível Glória Maria tinham sido marcados pela Depressão e Síndrome de Pânico. Um alerta para os leitores: se alguém usa o termo Síndrome de Pânico, geralmente não sabe nada do que está falando. Ou você tem Transtorno de Pânico, uma entidade clínica baseada e sinais, sintomas e critérios diagnósticos, ou crises de Pânico isoladas. Síndrome de Pânico é um termo consagrado por leigos, que não indica muita coisa. Mas, voltando a Glória Maria: esses veículos relatam que a jornalista teve uma reação muito negativa quando recebeu a notícia que sua doença, um Câncer de Pulmão metastático, não respondia mais ao tratamento e ela passaria aos Cuidados Paliativos, o que gerou a reação que alternou depressão e pânico. Reações bastante esperadas, como já documentado pela Literatura Médica e Psicológica há muitas décadas. Mas dá para examinarmos esse assunto de perto: por que ser encaminhada ao Cuidados Paliativos teve um impacto tão severo e que, eu ouso imaginar, acelerou a progressão da doença?

A médica Ana Cláudia Quintana fez um Ted Talk maravilhoso sobre cuidados paliativos com o título: “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, que é nome de seu livro sobre o assunto. Ela descreve que “Palium” era o manto que protegia os guerreiros das intempéries. Paliativo significa cobrir, proteger, acolher. Qual é o problema de dizer para um paciente que ele está sendo encaminhado para esse grupo incrível, onde será cercado pelo amor e acolhimento de gente que entra justamente na hora que todo mundo se ausenta, inclusive o médico, que é treinado para vencer a doença e fica desconcertado quando perde? Para Glória Maria e para muitos pacientes, ser encaminhado para os Cuidados Paliativos significa a morte da esperança. E a Esperança, no caso, precisa ser realmente a última que morre.

Ana Cláudia Quintana relata, em outras palestras, casos de pacientes que sobreviveram de maneira perto da milagrosa quando passaram ao grupo de Cuidados Paliativos. O fato de encontrar paz e significado no acolhimento faziam que seu organismo reagisse como nunca. Mais uma dica para quem não é familiarizado com o tema: o que mata o Câncer não são os tratamentos. O que mata o Câncer é nosso Sistema Imune. Os tratamentos estão indo cada vez mais na direção de fortalecer e agilizar as células de defesa, para conter e equilibrar os processos oncológicos, transformando o Câncer em doença crônica. Amor, acolhimento e empoderamento do paciente ajudam em todos os sentidos. Talvez o encaminhamento correto fosse: “Precisamos reforçar nosso time para enfrentar essa doença: chama o Cuidados Paliativos”, ao invés de: “Não temos mais nada a fazer, chama o Cuidados Paliativos”.

Nosso corpo é um formidável sistema de manutenção da vida. Ele não desiste. Quando a Alma está junto, então, nem se fala. Talvez seja melhor chamar a ajuda desse grupo quando ainda se tem muito a fazer. Na hora do susto, do luto, do pânico diante da vida e da morte, tem gente muito boa para segurar a mão de quem está sofrendo. E traz significado a todo esse processo, inclusive abrindo caminho para a reconciliação com a ideia da Morte, um tabu difícil de enfrentar aqui no Ocidente.

MARCO ANTONIO SPINELLI, médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.
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