PASSOS – Para este domingo, a Folha traz uma entrevista com um de seus novos colunistas: Aldo Rebelo. Jornalista e escritor, Aldo presidiu a Câmara dos Deputados, foi relator do Código Florestal Brasileiro e ministro nas pastas de Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Defesa, nos governos Lula e Dilma.
Conhecido por sua postura nacionalista, Aldo se considera um “homem comum na defesa do Brasil real”. Atualmente, dedica-se à produção literária, na qual reúne convicções sobre o que seria necessário para uma reestruturação nacional. A obra “O Quinto Movimento: Proposta para uma construção inacabada” sintetiza o pensamento do escritor alagoano em torno de uma — ou talvez a única — via de desenvolvimento autônomo, baseada na valorização da soberania, na integração nacional e no resgate de um projeto estratégico para o Brasil.
Folha da Manhã (FM): O que motivou a escrita de O Quinto Movimento?
Aldo Rebelo (AR): O Quinto Movimento é a reunião das minhas convicções com minhas experiências na vida pública, precedidas de uma breve biografia do Brasil, de sua história e de como se formou como Nação.
FM: Em que momento o senhor percebeu que era necessário sistematizar essas reflexões em um livro?
AR: Quando percebi que vivíamos um processo de desorientação que interrompeu os ciclos de nossa construção nacional. Depois de atravessarmos o Primeiro Movimento, da formação de nossa base física, de nosso território, de 1500 a 1750; o Segundo Movimento, o das jornadas da Independência, de 1750 a 1822; o Terceiro Movimento, o da consolidação da Independência e da unidade territorial, de 1822 a 1889; e o Quarto Movimento, da construção da base material e social, de 1889 a 2013, quando mergulhamos em um processo de divisão do País e de perda do sentido de permanência do esforço de construção nacional. Há necessidade de retomada da construção do País com um Quinto Movimento que represente a continuidade histórica das jornadas de nossos antepassados.
FM: O senhor argumenta que há um conflito entre a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento nacional.
AR: Esse conflito foi criado pelos adversários do desenvolvimento nacional e que usam a defesa do meio ambiente como pretexto, pois na verdade desenvolvimento e meio ambiente são complementares, quanto mais desenvolvimento mais meios disponíveis para a proteção de um meio ambiente saudável.
FM: Como o Brasil pode equilibrar proteção ambiental e soberania sem cair em narrativas importadas ou neocoloniais?
AR: o grande cientista brasileiro, ex-presidente da FAO, Josué de Castro, em seu livro clássico Geografia da Fome, no capítulo sobre a Amazônia, afirma que a economia destrutiva na Amazônia é fruto da pobreza e da ausência de meios apropriados e tecnologia para uso dos recursos naturais sem destruição ambiental. Organizações não governamentais financiadas do exterior a serviço da ideia da Amazônia como santuário e paraíso, proibida de usar seus recursos naturais a serviço de sua população e do Brasil, organizaram o bloqueio ao desenvolvimento da Amazônia como parte do congelamento do poder econômico mundial, ou seja, a partir do falso pressuposto de que o desenvolvimento dos ricos e já desenvolvidos não ameaçaria o meio ambiente, e o desenvolvimento dos pobres constituiria uma ameaça ao planeta.
FM: O senhor critica o que chama de ecologismo de mercado e ambientalismo imperial. Como distinguir uma agenda ambiental legítima de uma que sirva a interesses estrangeiros?
AR: o Brasil deve apresentar ao mundo os quatro princípios orientadores de um projeto de desenvolvimento para a Amazônia: o primeiro, a afirmação da soberania nacional como algo inegociável; segundo, o direito ao desenvolvimento como aspiração dos amazônidas e do Brasil; terceiro, a proteção das populações indígenas com a elevação do seu padrão de vida material e espiritual, com educação, saúde, saneamento, água tratada e luz elétrica entre outros benefícios; quarto, a proteção da natureza com um inventário completo dos recursos da biodiversidade amazônica.
FM: O agronegócio – setor pujante no Sul de Minas – aparece em seu livro como parte essencial da economia nacional e da soberania. Como o senhor responde às críticas de que esse setor é um dos maiores causadores do desmatamento e da degradação ambiental?
AR: O Brasil dispõe da legislação florestal mais restritiva e rigorosa do mundo e nenhum modelo agrícola de nenhum país financiador de ONGs exige de seus agricultores o respeito ao meio ambiente exigido dos nossos pelas normas nacionais em vigor. Claro que toda atividade humana para a agricultura e em parte para a pecuária exige a remoção de vegetação nativa, compensada naturalmente pela produção de alimentos no mundo e no Brasil. A observação que faço é que o custo da produção de alimentos no Brasil para a natureza é menor que se pode observar em comparação com qualquer outro país.
FM: O senhor defende a valorização de uma identidade brasileira baseada na convergência entre povos, territórios e culturas. Como vê o papel da educação na formação dessa consciência nacional soberana?
AR: Houve uma profunda mudança no conteúdo do ensino de história do Brasil entre nós. Antes nossa história era ensinada a partir do que dera certo, dos nossos êxitos e mudamos para ensinar as nossas crianças e jovens apenas o que deu errado, os exemplos dos nossos fracassos e das nossas mazelas. Então, criamos gerações de derrotados e fracassados, sem confiança no passado e também no futuro de nossa Pátria.
FM: O senhor menciona que ONGs e organismos internacionais exercem influência sobre a política ambiental brasileira. Em sua visão, qual seria o modelo ideal de regulação e fiscalização que preserve a autonomia do país?
AR: As ONGs exercem a governança da política ambiental brasileira a partir do controle dos próprios órgãos encarregados de executá-la, Ministério do Meio Ambiente, Ibama e outras instituições do Estado brasileiro com funções semelhantes.
FM: No cenário atual, como o senhor avalia a posição do Brasil na disputa por recursos naturais e pela liderança ambiental global? O país está sabendo defender seus interesses?
AR: O Brasil é detentor da mais promissora fronteira mineral do mundo, de terras raras e minérios estratégicos, também possui a maior fronteira para a agropecuária e a agroindústria do planeta e reservas incalculáveis de energia, seja o petróleo da Margem Equatorial ou as possibilidades de geração de energia hidrelétrica na Bacia Amazônica. Mas tudo isso está imobilizado pela ação de interesses internacionais e cumplicidade de instituições do próprio Estado brasileiro.
FM: O Sul de Minas tem forte tradição cultural e histórica ligada à formação do Brasil. Qual o papel das pequenas cidades do interior na construção de uma identidade nacional soberana, segundo sua visão?
AR: A alma brasileira reside no Brasil profundo, no Brasil rural, no Brasil que criou nossa cultura, nossos valores, nossa literatura, nossa culinária, nossa música. Quando perdemos o vínculo com esse Brasil, perdemos nossa identidade, nossa capacidade de sabermos quem fomos e o que somos, e portanto o que seremos.
FM: O senhor acredita que regiões como o Sul de Minas podem ter papel ativo na formulação de um novo projeto nacional, ou o centro das decisões continuará concentrado nos grandes centros urbanos e políticos?
AR: O interior do Brasil, mais do que as capitais, contribuiu para a construção nacional, na literatura, com Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos, por exemplo; na formação de nossa base tecnológica com centros de pesquisa em agropecuária como Viçosa, Lavras e Piracicaba, por exemplo, ou na área de engenharia, como o ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica de São José dos Campos, em São Paulo, e a Escola Federal de Engenharia – EFEI em Itajubá, no sul de Minas. Portanto, não há por que excluir o interior do Brasil de qualquer projeto nacional de desenvolvimento.