15 de maio de 2024
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DAGOBERTO ALVES DE ALMEIDA
A reincidência das catástrofes que vitimizam parte da população é, em grande monta, decorrente do equívoco no entendimento de que os fenômenos climáticos, apesar da sua sazonalidade, se apresentam como de difícil solução e aquém dos nossos esforços. Se essa percepção era até compreensível em épocas passadas quando o ser humano se apresentava impotente perante os fenômenos naturais e buscava no sobrenatural uma explicação para seus infortúnios, ela não faz sentido algum nestes tempos de acelerado desenvolvimento científico. Afinal, há amplo conhecimento disponível nas áreas de engenharia civil, hídrica e ambiental, bem como nas ciências climáticas, tanto em urbanismo quanto em saneamento, para minorar as catástrofes cíclicas cada vez mais recorrentes e intensas, tais como as tragédias das encostas de Petrópolis em 2022 ou das enchentes que atualmente assolam o Rio Grande do Sul.
Para se ter uma ideia da magnitude dos problemas ambientais que o Brasil enfrenta a Secretária Nacional de Proteção e Defesa Civil declarou na Câmara dos Deputados que mais da metade dos municípios brasileiros esteve em situação de emergência ou estado de calamidade no ano de 2023. Ano em que a Defesa Civil estimou que cerca de 14,5 milhões de brasileiros foram afetados por desastres climáticos, com gastos da ordem de 1,4 bilhão de reais.
A renitente imprevidência e a incompetência no trato das questões ambientais tem custado caro ao país. Tirar partido da ciência e tecnologia disponíveis é a medida, obviamente, acertada. Então, porque as tecnologias para prevenção das catástrofes ambientais, tais como estações meteorológicas e obras de contenção de encostas não são efetivamente utilizadas? Porque o problema não é técnico, mas ético. Falta vontade política e sobra malversação de verbas públicas. Muitas das prioridades de alocação de recursos públicos se perdem na captação de emendas caríssimas pulverizadas em períodos eleitorais, cujos resultados são aplicações desordenadas e ineficazes, usualmente sem o devido respaldo de estudos científicos para a produção de sérias políticas públicas de longo prazo e o devido direcionamento orçamentário.
A consequência inevitável é que o flagelo cresce exponencialmente na medida em que aqueles que deveriam capitalizar o poder decisório que os cargos públicos lhes conferem para criar e implementar políticas públicas capazes de se adiantar às catástrofes sazonais, frequentemente, acabam por fazer justamente o contrário. Dois exemplos estarrecedores da influência nefasta da má política ilustram o desperdício de recursos públicos. No primeiro exemplo a capital de Alagoas — terra do presidente da Câmara — foi aquinhoada com 67% da verba total do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional para a prevenção de enchentes, ao passo que no segundo exemplo, a capital do Rio Grande do Sul não teve um único centavo sequer para ser aplicado na prevenção de enchentes.
A coisa é ruim por todos os ângulos que se analise a questão do uso indevido de recursos públicos e piora a medida em que o processo se desenvolve, visto que a ação requerida para combater as tragedias climáticas exige pronta resposta, o que acaba por justificar a dispensa de licitações, e aí é a farra do desvio de recursos públicos.
Infelizmente, desde 2019 a flexibilização da legislação ambiental em todo o país, mas especificamente no Rio Grande do Sul, tem ido na contramão do desenvolvimento e da aplicação de medidas que impeçam o desmatamento de florestas, assim como para evitar o assoreamento e a descontrolada urbanização das margens das malhas hidrográficas das metrópoles brasileiras. O resultado não poderia ser outro que não os alagamentos e desbarrancamentos reincidentes com suas trágicas consequências cada vez mais potencializadas. No que tange a justificativa inconsequente que coloca o agronegócio como adversário do meio ambiente, vale argumentar que a longo prazo corre-se o sério risco da produção agrícola se comprometer, pois que cada vez mais se observa excessivo volume de chuvas na região sul e seca na região norte. Todos os biomas — cerrado, pampas, pantanal e amazônico estão comprometidos por decisões políticas baseadas na desconsideração da ciência e mesmo no negacionismo dos estudos que demonstram que a maneira abusiva como ocorre a interferência humana na natureza no antropoceno (período geológico de existência da espécie humana) está matando o planeta de nossos filhos e netos.
Anos atrás, a cada chuva um dos bairros da minha cidade, aqui no sopé da serra da Mantiqueira, era inundado por um rio de lama que escorria das encostas de um loteamento. Me vem, então, à lembrança uma senhorinha no meio daquele lamaçal vermelho que resignada balançava a cabeça e dizia, “ah meu filho, mas foi Deus quem quis”. Pensei comigo que se Deus tivesse dado algo teria sido um pouco de discernimento para que se avaliasse que aquela desgraça era unicamente obra do ser humano em sua ambição desmedida. Mas foi apenas uma reflexão, eu nem retruquei e nem poderia ser de outra forma diante da dor dessa gente sofrida. Ficou, no entanto, minha indignação perante a desgraça anunciada e perversamente capitalizada por aqueles que, apesar do poder de minorá-las, preferem tirar partido dos recursos à sua disposição em proveito de seus projetos pessoais de poder.
A verdade é que como cidadão me cabe apenas observar e instar os demais para bem escolher meus representantes, do municipal ao federal, para que novas tragédias nas encostas e margens dos nossos rios deste país tão temente a Deus não mais ocorram nessa absurda e vergonhosa proporção. E aí então, quiçá, não será mais porque foi Deus quem quis.
DAGOBERTO ALVES DE ALMEIDA – Professor Titular em Gestão da Produção – UNIFEI. Reitor eleito e indicado da UNIFEI nos mandatos 2013-16 e 2017-20