Opinião

Flores hibernantes    

22 de julho de 2024

Foto: Reprodução

LUIZ GONZAGA FENELON NEGRINHO

 

Num de seus belos textos, Rubem Braga acena para que “está provado que acordar mais cedo faz o dia maior”. (“Sizenando, a vida é triste”). A frase não é dele, ele próprio assume, desconhece o autor, no que se depreende ser frase popular. Dessas que se colhem ao sabor do tempo e da vida. E faz sentido. Se bem que, para atropelo da sorte, noutro viés, há os que acordam mais cedo para ficarem mais tempo à toa.

Não nego, tinha por hábito acordar às 7:00. Era assim. O despertador do celular era quem me acordava. Cumprido meu ritual cristão, ligava a TV para uma olhadela nas notícias, em seguida me dirigia ao banheiro para fazer o que o ilustre capixaba chamava de “abluções”. Isso mesmo, caro J. Izane. Abluir-se é lavar o corpo ou parte dele. Não sou eu quem gosta de escrever assim, com palavras rebuscadas, pouco conhecidas. Quem o faz, e bonito, é o cronista dos cronistas, Rubem Braga, em outra crônica: “A greve do pão dormido (e a lição do humilde padeiro)”. Por igual, aludindo ao mesmo tema, essa de acordar cedo para recompor a vida que segue.

De bate-pronto, tomo as duas crônicas como algo construtivo, bem parecido com a vida que levo em Formiga, onde hoje passo a maioria da vida. Embora não haja professor de esperanto e nem padeiro à porta para anunciar que o pão chegou. No entanto, me ponho na condição de aproveitar a tese de que acordar mais cedo realmente faz bem e torna o dia mais comprido.

Diante disso, passei a acordar mais cedo, exatamente às 6:00, sem nenhum paralelo ou ligação com o escotismo, o esperanto e o professor Sizenando Mendes Ferreira, de Iporá, Goiás, de que fala o mestre das letras. Se bem que, quanto a Goiás, linha tênue de raciocínio, não nego o carinho pelo povo goiano, suas raízes e tradições, bem próximas das de Minas. Exemplo disso, em respeito à diversidade cultural, está no arroz com pequi, acompanhado de frango grelhado ou carne de sol. A galinhada e a carne de sereno, no requinte da culinária, não ficam de fora.

Daqui do Centro-Oeste de Minas, Cidade das Vertentes, talvez esteja na mesma condição de suavizar o dia, lembrando do quão satisfeito estou por me sentir assim. Alguém que acredita. Um brasileiro que acorda cedo, cumpre seus deveres, no fogão a chaleira apita, assobia e anuncia que mais um dia está por começar. Quanto ao pão, dou notícia de que, verdade seja dita, está mais dormido do que seu próprio senhor. É o que tenho, em gratidão.

Sorrindo ou chorando, às vezes me ponho triste. Mais pelo povo melancólico do nosso Brasil. Em especial, pelas crianças e desvalidos. Muitos se valendo de ansiolíticos e antidepressivos. Quanto ao dia, posso assegurar que é dele. Está sempre sorrindo para os que dele se aproximam. O desalento ou fascinação é estado de espírito próprio de quem espera, acredita e confia. E na sutileza do espetáculo, a tranquilidade surge para dizer que algo mais vai se concretizar.

Assim, rendo-me a fazer parte de um filme cuja resenha é a de sempre. Modesto ator coadjuvante que precisa ser visto, ainda que não reverenciado – quanto mais não seja – por flores hibernantes no canteiro de calçadas em uma noite fria de outono.

LUIZ GONZAGA FENELON NEGRINHO, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)