SÃO PAULO – Cinco anos após o início da pandemia de covid-19, exames de Papanicolau e mamografias, que detectam o câncer do colo do útero e o câncer de mama, respectivamente, não recuperaram os índices de realização pré-pandêmicos.
Dados do Observatório da Saúde Pública, da Umane, mostram que o número de mulheres com 18 anos ou mais que já fizeram mamografias nas capitais brasileiras caiu de 66,7%, em 2017, para 59,8%, em 2023. No mesmo período, a realização do papanicolau diminuiu de 87% para 78,9%.
Juntos, o câncer do colo do útero e o câncer de mama matam mais de 25 mil brasileiras por ano, e o baixo número de exames preocupa especialistas. A detecção precoce aumenta significativamente as chances de sucesso no tratamento. Quanto mais cedo a doença é identificada, mais eficazes são as opções terapêuticas.
Segundo Evelyn Santos, gerente de investimento social da Umane, o cuidado com doenças crônicas não transmissíveis foi deixado de lado durante a pandemia para a priorização de enfermidades de curto prazo, como a própria covid-19. No entanto, não houve uma mudança de comportamento após o período.
Além da pandemia, Angélica Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), destaca que o Brasil nunca teve uma cultura enraizada de realização de exames preventivos. “A conscientização populacional para prevenção e rastreio não é adequada, há problemas de acesso e a pandemia não ajudou. As pessoas não voltaram à rotina que conseguíamos anteriormente”, afirma.
“O câncer vai ser a principal causa de morte entre brasileiros em 2030. Então, se quisermos reduzir os índices de mortalidade e incidência, são necessárias políticas públicas para aumentar o acesso aos procedimentos e inovação para que os cidadãos façam os exames que já estão disponíveis gratuitamente”, ressalta. De acordo com Evelyn, fatores como falta de campanhas de conscientização, desigualdade no acesso entre regiões e a ausência de uma estratégia mais eficiente para captar pacientes também influenciaram os resultados.
“A cobertura dos exames precisa ser ampliada em todas as regiões e para todos os grupos da população feminina. Atualmente, os índices são mais baixos fora das capitais e em algumas regiões do País. Ou seja, temos um grupo de mulheres ainda mais prejudicado pela não retomada da cobertura”, destaca.
No caso da mamografia, por exemplo, 65,2% das mulheres na faixa etária recomendada fizeram o exame na região Sudeste em 2019, enquanto no Norte foram apenas 43,2% e, no Nordeste, 49,5%, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
Cobertura
Para aumentar os índices, Evelyn destaca a importância de uma melhoria no processo de busca ativa e rastreamento. “Hoje, o sistema de saúde atende quem procura o atendimento. Não são todos os municípios que têm a cultura de busca ativa do público-alvo, como acontece na vacinação de sarampo para crianças, em que agentes comunitários de saúde visitam as casas para identificar se elas tomaram a vacina”, exemplifica.
“O mesmo deve ser feito nos exames preventivos contra o câncer. O sistema de saúde deve ir atrás das mulheres na faixa etária indicada para fazer a mamografia, por exemplo, para facilitar o acesso”, acrescenta.
Angélica acredita que as campanhas de conscientização são um caminho. “A população precisa saber a faixa etária em que procurar os procedimentos. O governo tem várias formas de fazer isso: usando as redes sociais, a televisão e também inovando nos formatos. Um caminho pode ser utilizar a inteligência artificial para chegar a mais gente”.
“Em áreas onde o acesso é mais difícil, estratégias como carretas e barcos podem ser alternativas, a depender das condições geográficas. Parcerias público-privadas e o fortalecimento da atenção primária também podem ajudar. Outra possibilidade são metas municipais, para que a cidade ganhe verbas a depender dos resultados”, adiciona.
Colonoscopia
Diferentemente do Papanicolau e da mamografia, a colonoscopia apresentou uma recuperação após a pandemia. Entre 2019 e 2024, o número de exames realizados pelo SUS cresceu 65,5%, chegando a 574,6 mil no ano passado. Antes da pandemia, em 2019, foram realizadas 347,1 mil colonoscopias. Em 2020, o número caiu para 242,4 mil devido às restrições impostas pela covid-19, mas nos anos seguintes voltou a crescer.
Para Angélica, o crescimento está atrelado ao aumento da disponibilidade de aparelhos e profissionais para realizar o exame, que ajuda a detectar o câncer colorretal precocemente e a prevenir a doença por meio da retirada de pólipos. Os exames de ultrassonografia mamária bilateral, indicados para complementar a mamografia em caso de mamas densas, nódulos ou cistos suspeitos, também apresentaram uma recuperação após a pandemia. Entre 2020 e 2024, o volume de exames aumentou 92,7%.
“Não vemos o mesmo aumento no exame mais importante para o rastreio – a mamografia -, mas vemos um aumento significativo no ultrassom, que é um exame para tirar dúvidas. Os dois deveriam estar aumentando juntos”, observa Angélica.