Opinião / Alberto Calixto Mattar Filho
Ao longo dos últimos três a quatro anos tenho evitado abordar questões políticas. Tédio de entrar nessa constante roda de debates. Mas nada me impediu de estar atento ao cenário. Sempre leio e assisto a incontáveis matérias e a grande número de opiniões de quaisquer vieses, independentemente se, de direita, de esquerda, de centro.
Em terreno tão pantanoso, é fundamental ouvir todos os lados possíveis. De fato, problemas de ordem política são complexos. Aliados de momento logo se tornam inimigos figadais do dia seguinte, caso interesses de uns e outros não se harmonizem.
No decorrer desses mesmos anos, um período em que também estivemos sob as agruras de uma terrível crise sanitária, o furor das discussões políticas desgastou relações, inclusive nos círculos familiares. Vimos, em geral, a divisão em dois campos de batalha: os apaixonados por Bolsonaro e os amantes de Lula. Estultices.
Claro que há nuances nesse meio, e não acho correta a pecha de isenção que se costumou a utilizar para se referir a quem não aderia a um e outro dos dois grandes adversários. As opções a ambos também eram muito ruins. Por certo, um quadro eleitoral dos piores da história o de 2022.
Como se sabe, as precipitações desaguaram no desastroso 8 de janeiro de 2023, cujas consequências aí estão, com um amontoado de pessoas encarceradas e batalhas jurídicas para que os processos transcorram dentro dos parâmetros da legalidade.
Pois enquanto se observavam os atos bárbaros do 8 de janeiro, várias vozes, que já estavam clamando por democracia, engrossaram o coro, muitas das quais bastante veementes, como que detentoras de uma espécie de monopólio da virtude e da consciência política.
Por outro ângulo, havia e ainda há os profetas do apocalipse, que só conseguem enxergar o caos nos tempos de hoje, como se, no passado, não tivéssemos vivido conflitos extremamente sérios.
Bom, se, nesses anos polêmicos, pudemos assistir a atos tresloucados de Bolsonaro e de boa parte de seus adeptos, há de se reconhecer que também surgiu um tipo de ira ou ódio dos opositores, ora nas páginas da imprensa, ora em vídeos no Youtube, ora nas diversas redes sociais e por aí vamos.
Evidente que o regime democrático, apesar de todas as imperfeições, é o único em que devemos nos apoiar em busca de benefícios à população, de vida digna, de liberdade, de responsabilidade pelas ilicitudes e de aplicação da lei de forma igualitária para todos.
Mas é preciso entender que não basta levantar palavras em nome de conceitos. Palavras, ainda que fundamentais, precisam se fazer acompanhar de atitudes. Não bastam discursos.
A democracia pressupõe, acima de tudo, atos que abranjam outro conceito indispensável, o de república. República, a “res publica” do latim, a coisa pública, o que pertence a todos e não a castas privilegiadas ou que se valem dos postos de poder para usurpar benefícios a si mesmos e a seus familiares.
Talvez seja mais um pingo d’água no oceano, mas vocês precisam saber que quatro dos atuais ministros de Lula usam a força política que possuem para indicar suas mulheres para cargos vitalícios nos tribunais de conta dos municípios e dos Estados.
Os cargos rendem em torno de R$ 40 mil mensais, fora outros penduricalhos. Os ministros e maridos das contempladas são Rui Costa (PT), da Casa Civil, Wellington Dias (PT), do Desenvolvimento Social, Renan Filho (MDB), dos Transportes, e Waldez Goes (licenciado do PDT), do Desenvolvimento Regional. Apenas Aline Costa, a sra. Rui Costa, aguarda a votação da Assembleia Legislativa da Bahia, em março de 2023. As demais já exercem seus cargos e engordam o orçamento familiar.
Embora haja, nas cortes superiores, divergências jurídicas sobre tais casos em relação à prática de nepotismo, o fato notório é que estamos perante abusos de influências políticas em proveito próprio.
Até nem costumamos lembrar de coisas assim, tão comuns que são. Mas demonstram bem como grande parte dos homens públicos age no silêncio de seus gabinetes. Se há uma oportunidade de indicar uma esposa para um cargo vitalício e com salário altíssimo, como não aproveitar? Dane-se a moralidade.
Trata-se apenas de um quadro emblemático de como atuam os mandatários eleitos − exceto as honrosas exceções de praxe −, quando o cavalo arreado passa às suas portas. Ora, que sempre estivemos sob um corporativismo estrondoso nos nossos poderes não restam dúvidas. Em todos, inclusive no Judiciário.
Rui Costa e inúmeros outros são peritos na retórica democrática, mas, no escurinho de seus ofícios, abusam da república.
Discursos democráticos sem verdadeiro respeito à república são joguetes de aparência e de palavras vazias sem nenhuma importância efetiva para qualquer um de nós, os representados.
Nada além dos velhos e conhecidos ardis de muitos de nossos representantes.