Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho
Na infância, quando os dias se estendiam e o sol parecia brilhar apenas para nós, o céu se tornava o fiel companheiro de nossas aventuras. As pipas, raias e papagaios não eram apenas brinquedos. Eram robustas embarcações que navegavam em um mar azul infinito, levando nossos sonhos e alegrias para altitudes desconhecidas.
Com um pedaço de linha na mão e um riso escancarado, tudo parecia possível. Paredes, cercas e lajes se tornaram palcos onde a meninada se reunia, cada um ostentando suas criações de papel e madeira, traçando um ritmo de liberdade em meio ao vento fresco da tarde.
Eu não era um habilidoso artesão. Minhas pipas, embora singelas, carregavam o peso da minha felicidade. E assim, eu as deixava voar, subindo com elas, deslizando por entre nuvens de algodão-doce e arco-íris de esperançosa inocência. Era um universo onde o céu, repleto de cores e promessas, era o limite da nossa bravura e ousadia.
Mas, como em toda história, a serenidade encontrou sua quebra. A vida, com seus caprichos e traquinagens, trouxe outros desafios — pipas de outros meninos que cruzavam nosso caminho. Em questão de segundos, eu via minha alegria ser cortada como se uma lâmina invisível desfizesse tudo o que havia construído em momentos de pura euforia.
O impacto era imediato: lágrimas brotavam dos meus olhos, confusas entre a dor da derrota e a alegoria da infância. Quando me perguntavam por que eu chorava, as palavras de defesa escapavam pelas fendas do meu sofrimento: “é de alegria!”. Mas a verdade era outra, o som da tristeza ressoava forte em meu peito.
Com o passar do tempo, na continuidade da vida, percebi que aqueles choros não eram em vão. Cada lágrima trazia consigo uma lição, um lembrete de que a vida é um jogo de sobe e desce, um perde-ganha, um vaivém constante.
Aprendi que, assim como nas competições de pipas, sempre haverá aqueles que tentarão cortar a linha. Sempre haverá o vento que, mesmo suave, pode desviar nossas direções e nos confrontar com desafios inesperados.
A dor da queda, por mais intensa que fosse, se transformou em resiliência. E, aos poucos, fui compreendendo que perder uma batalha não significa perder a guerra dos sonhos. O horizonte é vasto, e, mesmo que uma pipa caia, novas possibilidades de decolagens e recomeços aguardam.
Hoje, ao olhar para o céu, com suas nuanças de azul e branco, já não sinto mais o peso daquela tristeza infantil. A infância foi um campo de treinamento, uma escola que me ensinou a cuidar dos meus sonhos, e a nunca desistir deles. Aprendi que, após cada queda, é possível se levantar, apanhar os cacos da alma e, com a firmeza que só o tempo pode conceder, amarrar novas linhas de esperança. Que continuemos a empinar nossos desejos, entrelaçando as histórias dos brinquedos de criança com os sonhos dos adultos, como se fossem um só, em uma dança sublime entre o céu e a terra.
As pipas, raias e papagaios permanecem no meu coração, como símbolo da luta contínua entre alegria e tristeza, entre triunfo e queda. E eu sigo, firme como o vento que impulsiona meus sonhos, sempre pronto para levantar novas folhas de papéis coloridos e deixá-las voar novamente, porque, afinal, sonhar é um ato de coragem, bravura e os céus são eternamente nossos. A pátria dos que acreditam.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com).