PASSOS – Uma robusta investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) resultou, no final de março, na apreensão de uma série de documentos e no sequestro de bens que somam exorbitantes R$ 832 milhões. O valor se equivale ao prejuízo que teria sido causado por um esquema de extração ilegal de minério usando um plano de recuperação ambiental como fachada. A manobra criminosa teria sido realizada sob conhecimento dos empresários Juarez de Oliveira Rabello, João Henrique Pereira, André Mauricio Ferreira, Luis Fernando Franceschini, Bruno Luciano Henriques e o conhecido Lucas Kallas, que tem origens em Passos.
A investigação da PF revelou, ainda, fortes indícios da participação de servidores graduados da Agência Nacional de Mineração (ANM). O cenário do esquema fraudulento é a famosa Serra do Curral, que emoldura o vetor sul de Belo Horizonte. Kallas e os sócios teriam utilizado um Plano de Recuperação Ambiental de Área Degradada (PRAD), firmado junto a órgãos de controle, como fachada para expandir a exploração mineral por mais de dez anos na área histórica e tombada da serra. O esquema teria favorecido a Empabra, responsável pela Mina Granja Corumi, onde teria ocorrido a atividade ilegal até 2018, apesar de a prática estar proibida na região desde 1990, quando a serra foi tombada como patrimônio histórico do município. A Empabra explorou a mina legalmente de 1958 até o tombamento.
Figura conhecida da região
De todos os envolvidos na investigação, Lucas Kallas é, de longe, o personagem mais conhecido. Dono de um império da mineração, a Cedro Participações, o passense e suas empresas têm atuação em vários negócios bilionários. Em fevereiro, por exemplo, a companhia arrematou a concessão do Porto de Itaguaí (RJ), por 3,6 bilhões de reais. Meses antes, em dezembro, a Cedro também havia vencido a concessão para construir uma malha ferroviária que liga Minas Gerais a esse porto por R$ 1,5 bilhão. Além da atividade empresarial, Kallas tem forte presença no mundo político, tendo sido agraciado duas vezes pelo governador Romeu Zema (Novo) com as maiores honrarias de Minas Gerais: a Medalha da Inconfidência (em 2023) e a Medalha do Dia do Estado de Minas (2024). Nas duas últimas eleições, por meio da sua irmã, Francine Kallas, o grupo doou mais de 2 milhões de reais ao PSD, partido do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em 2008, Kallas, que era dono de uma construtora, foi preso na Operação João de Barro, da PF, que investigou o desvio de recursos do PAC — o empresário ainda responde a duas ações de improbidade administrativa por conta dessa investigação.
O estilo agressivo para os negócios de Kallas incomodou parte dos sócios na Empabra. No final de 2013, os donos antigos da mina – Juarez de Oliveira Rabello, João Henrique Pereira e André Mauricio Ferreira – fizeram um plano de recuperação da área degradada, que lhes permitia retirar o minério já extraído e estocado na mina, com o compromisso de recuperar a região. Kallas não se satisfez apenas com o minério estocado. Segundo os donos antigos da mina, conforme depoimento à PF, o passense “exigiu uma retirada de maior quantidade de minério, em desacordo com o plano de recuperação”. “Sobressai das investigações que as irregularidades apontadas pelos trabalhos periciais coincidem com o período em que Lucas Kallas, Bruno Luciano e Franceschini assumem a Mina Corumi”, diz trecho da decisão judicial que autorizou a recente operação de busca, apreensão e sequestro de bens dos envolvidos.
Diante da postura de Kallas, Juarez de Oliveira Rabello e João Henrique Pereira venderam suas cotas em 2014. O dono mais antigo da Empabra, André Maurício Ferreira, relatou à PF que vendeu sua parte do negócio, em 2016, “receoso de futuros processos de responsabilização”. Segundo as investigações, o esquema teria começado após a entrada de Kallas, Luis Fernando Franceschini e Bruno Luciano Henriques na sociedade da Empabra, em 2013, por meio da Companhia Mineradora Ferro Phoenix – que posteriormente passou a se chamar Green Metal Soluções Ambientais.
Os investigadores destacaram no relatório que análises periciais e de auditoria da PF e da CGU “confirmam integralmente” os fatos narrados pelos ex-sócios “no que tange ao efetivo interesse dos empresários em se aproveitar financeiramente da área, retirando maior quantidade de minério, em desacordo com o previsto no PRAD, dentre outras condutas ilícitas, as quais restaram reiteradamente praticadas, até o presente ano de 2025”.
O esquema, segundo a PF, teria contado com o apoio de dois servidores da ANM: Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, que era gerente regional da ANM em Minas Gerais, e o superintendente substituto de segurança de barragens de mineração Claudinei Oliveira Cruz. Funcionários de carreira, eles foram exonerados dos respectivos cargos em primeiro de abril, sob a suspeita de “peculato, corrupção e/ou advocacia administrativa”. A ANM é uma autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, comandado desde janeiro de 2023 por Alexandre Silveira, mineiro e próximo de Kallas.
A empresa de Kallas também teria deixado de arrecadar cerca de R$ 11 milhões em Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). O caso é descrito no relatório pela PF como uma “distopia ambiental”.
Kallas diz que investigação é ‘completamente descabida’
Em nota, Lucas Kallas disse que sua inclusão no inquérito “é completamente descabida”. Ele ressaltou que a operação “tem como principais fundamentos fatos relacionados aos anos de 2023-2025”, oito anos após ter encerrado sua relação com o Grupo empresarial Green Metals/Empabra. “O empresário foi sócio-investidor da Green Metals entre 2012 e maio de 2018, sendo que a Green Metals somente adquiriu a Empabra em 2016. Kallas nunca ocupou cargo na gestão da Empabra. Até a saída de Kallas, em maio de 2018, as atividades eram regulares e com as autorizações vigentes, conforme fiscalizações realizadas pelo MPMG e pelas secretarias municipal e estadual”, defendeu.
À frente da direção da Empabra desde 2022, Luis Fernando Francischini afirmou que a empresa realizou “apenas obras de segurança e estabilidade da mina Granja Corumi, conforme determinação da ANM, com aprovação do órgão ambiental estadual, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM)”. De acordo com o empresário, as manutenções e intervenções na mina foram autorizadas pelo poder público e contaram com fiscalizações recorrentes. “O mencionado inquérito está em segredo de Justiça, o que nos impede de ter conhecimento do todo e poder comentar seu conteúdo.”
A ANM publicou uma nota informando que está “colaborando com as autoridades” e “cumprindo todas as determinações judiciais” e destacou que “por se tratar de um processo que corre em segredo de justiça, não pode fornecer detalhes específicos sobre a investigação”.