A princípio, não é para quase ninguém entender. Talvez só para existir no léxico. Aos desassistidos da sorte e do bom ânimo, léxico é o que chamam de dicionário. Isso mesmo: o pai dos burros.
A palavrinha é catarse. Não tão usada por pessoas no dia a dia. Já os governantes e tecnoburocratas gostam de fazer uso –até mesmo com certo abuso – para inglês ver. A expressão “para inglês ver” é o fazer de conta. Disso também os políticos, no costumeiro, amam, praticam e adoram. No desplante fazem de conta, enquanto aos pobres e desacorçoados contribuintes, as contas.
Um doce para quem souber o significado de catarse. Isso mesmo: um doce. O amigo não vale porque é diabético. O outro porque é estudioso. O outro, ainda, porque especialista da área, já que faz parte do seu ofício o processo de libertação de emoções negativas de terceiros.
Na verdade, uns poucos iluminados conhecem o sentido e dele dão notícia do que seja catarse. Na dica do aceno, catarse é como que um estado de libertação psíquica quando alguém consegue superar um trauma. Por aí.
Quem muito entendia de trauma e teses correlatas era Josef Breuer, para quem não sabe, conselheiro de Sigmund Freud, o criador da psicanálise, posteriormente conhecido mundialmente como o pai da psicanálise. Na relação professor/aluno, ambos se respeitavam, mas divergiam em posicionamentos críticos. Haja sexo e emoções; de quando em vez, teoria aristotélica ao meio. Quem disse que Aristóteles, o grego, não se inteirou das emoções? E muito. Meio que óbvio: “Quando as pessoas se sentem tolerantes e amigáveis pensam de um modo, quando se sentem irritadas ou hostis, pensam totalmente diferente, ou a mesma coisa com uma intensidade diferente”. No jogo das diferenças de altos e baixos, não muito além do fenômeno do arco-íris.
Onde entra a catarse na história em relação aos políticos? É fundamental para a classe dominante na seara da política, que o povo se distancie da realidade dura, nua e crua. Dos problemas diários, por dizer. Como o pagamento do cartão de crédito, IPVA, IPTU, contas de água e luz, entre outros aborrecimentos que certamente tiram o cidadão ou cidadã do prumo e do sério.
Exemplos bem típicos para aliviar as dores do mundo são futebol, carnaval, festa junina, beira d’água (ainda que os riscos incomodem), feriados prolongados etc. Eventos que, na linha débito/crédito, deixam o povo temporariamente alegre e feliz. Mesmo sabendo, por ato consequencial, que, no inquestionável, a fatura certamente vem.
A ideia que se quer passar sugere algo mais valioso. Não apenas o vulgarmente utilizado nas vias político-administrativas para agradar e garrotear a plebe. Festas públicas para sanarem males como que aspirina para desesperadora doença terminal. No temporário, festejos libertam o ser humano. Ali, no ato, num estalar de dedos, como que aleatórios porres, sabendo-se, no logo adiante, nem se espera o dia seguinte, contingenciais e depressivas ressacas física e moral haverão de acontecer.
É preciso algo mais. O resgate do ser humano no cerne, no que tem de mais sublime e valioso. Quando então se poderá falar no combate a traumas, perturbações; na berlinda o medo e opressões de todo gênero. E, por óbvio, rumo à cura, ainda que no campo das possibilidades e do relativo. É preciso avançar. E mais.
Por que se fala tanto no tema nos dias de hoje é mais que imperioso e emergente. Os sintomas da depressão estão abalando as pessoas em geral. O Brasil situa-se num ranking pouco agradável quanto a grande consumidor de ansiolíticos e antidepressivos, acentuadamente no pós-pandemia.
Não estamos aqui para discutir o que disse Josef Breuer ou Sigmund Freud quanto às suas teorias e divergências. Se um pensava uma coisa e outro pensava outra coisa. No fundo “era a sexualidade na origem das neuroses”. Lembro Freud dizer, não sem razão, vez mais, a obviedade: “Tudo emana do sexo”.
O mais certo e recomendável é o método catártico proposto por ambos, Freud e Breuer, com ou sem hipnose. É possível resgatar as memórias que provocam os traumas. Mesmo porque, ao final, noutra síntese de catarse: “É a purificação do espírito humano, ou seja, é um livramento das imperfeições”. (Aristóteles, Arte Poética, Grécia antiga)
E em assim sendo, atira-se para longe aquilo que inteiramente está fora da natureza humana. Na psicologia, “o relacionamento se dá com a liberdade e a cura dos traumas, medos e doenças”.
Quando se pergunta, por carregar emoções, a catarse é boa ou ruim? Quem pode e vai responder com propriedade essas e outras questões são especialistas da área. Pode-se falar, por ora, na dosimetria. Como em tudo na vida, o excesso é perigoso e acarreta danos.
O convite, por enquanto, é que todos se reúnam no parquinho ou pracinha de suas cidades e aplaudam os artistas que lá vão se apresentar. De antemão lembrar-se, no centro veicular dos fatos e no arcabouço da conveniência, os grandes e verdadeiros protagonistas da história são os próprios espectadores e assistentes em suas mais diferentes atitudes, comportamento e emoções.
Palavra de quem, em absoluto, todos os dias de cada ano procura sonhar sonhos positivamente coloridos, inobstante ameaçadoras chuvas e trovoadas ameacem.
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com)