YARA OLIVEIRA
A Bárbara Bela
Bárbara jovem, Bárbara bela, Bárbara na janela. Bárbara visualizava sua cidade, a bela São João del-Rei, no alto e baixo das ruas recobertas por pedriscos e escadarias de pedras. A beleza das igrejas adornadas em ouro, os altares, os telhados, os arremates em abacaxis nos beirais das casas, as sacadas de ferros trabalhados, as escadarias em rococós ou madeira real. A igreja de Nossa Senhora
do Carmo, com seus altares dourados, era a predileta de Bárbara e, mais tarde pertenceria à Ordem Terceira do Carmo. Ali mesmo, em São João del-Rei ela já se via participando das procissões religiosas, dos sacramentos, das quermesses e das festas em geral…
Daquela janela Bárbara vislumbrava figuras humanas imaginárias que caminhavam pelas ruas sinuosas cobertas de pedras, contornados por casarões brancos com acabamentos, ora em carmim ora em azul royal.
Escadarias entrelaçadas de verdes plantas e “florinhas” comuns salpicando o azul celeste do céu das Minas Gerais. Da mesma janela, de umbral carmim, Bárbara imaginava jovens senhoras com bastidores nas mãos exercendo prazerosamente o ofício do bordado. Tecidos, linhas, agulhas, cores e prosa. Muita prosa macia… E às vezes canto.
Bárbara imaginava como seria o interior daquela casa, olhando demoradamente para aquela janela, como se depositasse nela lembranças de um tempo precioso.
Foi aí que, criando coragem, virou-se para o interior da casa e deparou-se com a bela figura de um homem. Trêmula, assustou-se!
Alvarenga Peixoto estava sentado ao lado da mesa posta para o café, ornada com toalha bordada e o bule fumegante que desenhava redondilhas e versavam sobre o amor de Bárbara.
Alvarenga embriagado com a presença de Bárbara olhava intensamente para ela com um vestido azul turquesa de gola alta e mangas longas; com saia em babados de rendas. Calçava botinhas de pelica no mesmo tom da roupa e nos cabelos flores que perfumavam o ambiente da casa que se compunha com objetos portugueses e nas paredes retratos familiares. A casa estava em silêncio.
Alvarenga chamou-a para um lesco-lesco com a doçura e, envergonhada, Bárbara aceitou sua companhia e os dois acabaram se apaixonando.
*Bárbara, inteligente e bela, foi ativista, política, mineradora e poetisa. Foi a primeira mulher a escrever poesia. Para sua filha, Maria Efigênia, escreveu: “A Bela Maria Efigênia” (aos sete anos de idade). Maria Efigênia faleceu aos 13 anos numa queda de cavalo. Para seus filhos escreveu: “Conselhos para meus filhos” e foi inspiração para Cecília Meireles para o poema Romance LXXV ou Dona Bárbara Eliodora. Bárbara chorou! Sua alma se fez luto, sua vida mudou.
Alvarenga, o inconfidente, recebeu degredo e morte e foi preso fora do Brasil. Bárbara chorou novamente.
Se viu sozinha. Só lhe restavam as lembranças daquela janela de umbral carmim e um lesco lesco. Se fez demente a bela Bárbara, “da noite estrela que o meu futuro sabes guiar”.
Agora, na janela mostra sua figura doente, machucada, ferida, sofrida, porém forte, madura e inspiradora.
Bárbara marcou a história de Minas e do Brasil com sua própria história na luta pela Inconfidência e foi chamada de ‘Heroína da Inconfidência Mineira”. Bárbara novamente chorou.
Faleceu em 24 de maio de 1819, sendo sepultada na Igreja Matriz de São João Del Rey, das grades para cima. A causa de sua morte foi tísica (tuberculose). Com a mesma doença perdeu um filho.
Muito religiosa, recebeu todos os sacramentos e foi envolta no manto de Nossa Senhora do Carmo e acompanhada por nove sacerdotes até sua sepultura.
As lágrimas de Bárbara Bela tornaram: Estrela, Poetisa e Vinho. A saudade de Alvarenga se transformou em Poeta/Amor.
YARA OLIVEIRA, escritora, participa da Afesmil – Academia Feminina Sul-Mineira de Letras; Academia Teófilo Otoni; IWA – internacional, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados