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Dia a Dia

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS

Perrengue

Quer transformar um deslize infantil num evento inesquecível? Dê-lhe plateia.
Depois que me tornei mãe, passei a observar coisas que não dava atenção em outros tempos. Comemorei muito o momento em que o meu filho conseguiu controlar os próprios esfincteres.

Para a criança, um grande passo na aquisição de autonomia e independência.
Como já contei na crônica anterior, resolvi escrever sobre situações desagradáveis vivenciadas na adolescência, infância e juventude. Comecei com o perrenguinho e hoje é o dia do perrengue.
Vamos aos fatos:

Eu teria muitos bons motivos para me lembrar da Escola Estadual Doutor Wenceslau Braz, 1° grau.
Infelizmente, os eventos negativos nos marcam mais.

Foi lá que aprendi que “Zecão era grande grandão; fofinho era gordo, gordinho;Bitu era pequeno, muito pequeno”. Mal sabia que essas pequenas frases seriam o começo para no futuro eu poder desfrutar do meu prazeroso passatempo: a leitura.

Também nesse grupo escolar exercitei minha disciplina. Procurava fazer bonito para os professores e nunca fui à ”instalação” sem pedir e sem sair dos losangos rosa, figura geométrica destinada às meninas, que junto com os losangos verde, exclusivo dos meninos, formavam o mosaico do piso da escola.

Nunca entendi muito bem a razão de substituírem a palavra “banheiro” por “instalação”, mas acredito que para causar confusão na loira com algodão no nariz que, embora muito comentada pelas crianças, nunca foi vista na “instalação” do Wenceslau Braz.

Certa tarde, depois de algumas visitas no bebedouro, a minha bexiga atingiu o volume máximo. Como já estava no final da aula, resolvi me aliviar em casa.
Eu sempre esperava mamãe me buscar na escola, e naquela tarde ela se atrasou.

Encostei-me numa mureta para aguardá-la e logo veio uma vontade absurda de esvaziar a bexiga. A professora ocupada com outras crianças, não percebeu o meu dedo levantado pedindo para ir à instalação.

Cruzei as pernas para adiar o inevitável e senti um líquido quente pelas pernas abaixo, provocando um ardor nos meus esfolados do joelho e empoçando ao lado do meu sapato colegial Vulcabrás.

Inicialmente, a situação passou desapercebida, até o rio caudaloso encher os losangos verde-rosa do piso da escola.
As crianças passavam por mim com o olhar de incredulidade. Algumas ainda olhavam para trás para confirmarem a cena.
Até que, um daqueles moleques de perna fina e joelho grande, apontou para mim e verbalizou o que todos viram e não falaram:

-Tem uma bebê aqui na escola- anunciou gritando e gargalhando pelos corredores. E foi uma onda de risadas.
Senti-me tal e qual o rei do conto que acreditou estar usando uma roupa linda e especial , quando na verdade estava nu.
Quando a minha mãe chegou, ficou brava comigo por tamanha disciplina. Chorei de raiva, de vergonha e também por medo de voltar a ser um bebê.
Naquela noite, ao receber minha mamadeira noturna, com um olhar decidido falei para ela:
– A partir de hoje, só tomo leite no copo.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com

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