DÉCIO MARTINS CANÇADO
Qualidade que não se vê
A vida moderna exige, cada vez mais, especialmente daqueles que têm que tomar decisões, comandar um grupo ou apresentar resultados, cada vez melhores, em seu trabalho. Com frequência, essas pessoas ficam estressadas, deprimidas, o que acaba prejudicando sua saúde e seus relacionamentos. Mas existe algo novo no ar, e não é coisa tão recente.
Empresas têm procurado contratar funcionários que conseguem agir de forma mais humana, harmoniosa, consigo e com as demais pessoas. Por exemplo, o fato de se conseguir manter amigos durante anos conta muito durante uma entrevista de emprego. Alguém que mantenha amizades desde a época da faculdade mostra-se capaz de qualidades como a afabilidade, a compreensão, a gentileza no trato com os outros. E isso são virtudes fundamentais a quem vai trabalhar em equipe, comandar um grupo.
Nessa visão, tornou-se uma ‘figura deprimente’ aquele maníaco profissional que se consagrou na década de 80 como o tipo ideal de executivo, o trabalhador compulsivo, o chamado “workaholic”, que não parava nunca, acabava com sua vida e com a dos outros. O churrasco de final de semana, uma cervejinha em companhia dos amigos, um futebol com a turma entra hoje como pontuação positiva nos testes para contratação de mão de obra.
Entende-se que o profissional que divide sua vida apenas entre o escritório e o quarto de dormir, sem tempo para mais nada, perdeu a imaginação, tornou-se mentalmente repetitivo. Mesmo que tenha um quociente de inteligência (QI) muito elevado, ele revela falta de adaptação emocional. Não serve mais e ficará cada vez pior.
Bons sinais, ao contrário, são dados por um executivo que participa de um grupo religioso, que ajuda na Feira de Ciências da escola do filho ou participa da recuperação de um parque público. São apenas alguns exemplos de atividades que os psicólogos encaram como indícios de uma personalidade ideal para que alguém exerça com qualidade suas funções dentro de uma empresa.
“Isso não significa que o currículo formal tenha perdido o valor. Ao contrário. Um currículo composto de títulos em boas escolas, cursos no exterior e experiências em várias áreas nunca foi tão valorizado. Não se imagine que, entre dois candidatos à mesma vaga, vá ganhar o emprego aquele que não sabe uma palavra de inglês, mas é mais sociável, em detrimento de quem tem um inglês fluente, mas dificuldades em se comunicar.
O provável é que a vaga fique com um terceiro, que tenha as duas qualidades. A diferença é que um ‘bom currículo profissional’ é o ponto de partida, e não mais o de chegada. O profissional autocrático, monopolizador de informações e pouco preocupado com as pessoas com quem trabalha já não encontra espaço para sobreviver”.
A ênfase no equilíbrio emocional já atingiu o ‘chão da fábrica’. A própria ‘linguagem’ consagrou uma visão perversa dos trabalhadores que ‘se acabam’ na linha de produção. O operário não passava de “mão de obra”, seu trabalho era “braçal” – a redução ao ‘detalhe anatômico’ dizia tudo quanto à imagem que se tinha do universo da pessoa de um operário: vazio.
Mas isso vem mudando ao longo do tempo. Um caso muito interessante é o do operário que chegou para trabalhar, mas estava arrasado. No dia anterior, sua mulher havia lhe contado que estava grávida de gêmeos, sendo que o casal já tinha três filhos. Manoel, o operário, dirigiu-se a um painel pregado na parede da fábrica, fixou um pino vermelho na sua foto e assumiu o seu posto.
Poucos minutos depois, o chefe estava ao seu lado, e perguntou: -“O que houve”? – E ele pode contar o que estava acontecendo, recebendo a atenção e o conforto de seu superior. Ao longo do dia, vários colegas se aproximaram para dividir com ele um momento de solidariedade e compreensão. Aquelas conversas o confortaram, ele sentiu que alguém se preocupava com seus problemas e trabalhou mais tranquilo.
O painel em que Manoel fixou o pino é chamado de “emocionômetro” e fica numa fábrica de automóveis, em Minas Gerais. Há 150 deles espalhados pela fábrica. Todos os 20.000 funcionários das linhas de produção da empresa são convidados a expor nos painéis o seu estado de espírito no dia. ‘Pino verde’ para quem está bem, ‘amarelo’ para os que estão mais ou menos e ‘vermelho’ para os que estão com algum problema emocional. É um “striptease” sentimental, no meio da produção.
Alguns lares estão precisando, com urgência, de um painel desses. Um número pequeno de pessoas, convivendo dentro de uma casa, mal conseguem se aturar e compreender suas diferenças e as variações, tão naturais, de humor. É lamentável.