DÉCIO MARTINS CANÇADO
O menininho
Embora não se tenha nenhuma fórmula pronta, pois cada pessoa é única, ‘educar’ precisa de cuidados, de muita atenção nos acontecimentos que vão se sucedendo, que necessitem de correção e mudança de rumo. A cada dia, surgem novos desafios, novas situações, e os pais têm que estar com a atenção voltada aos detalhes, muitas vezes imperceptíveis, no desenvolvimento dos filhos. Há aqueles que costumam brincar dizendo que o filho não vem com “manual de instrução”, e por isso, ficam desorientados.
Há, também, uma expressão muito comum que diz que os pais, e muitas vezes, os professores, ao invés de ‘formar’ os pequenos, transmitindo-lhes valores para uma convivência social ética e responsável, ‘deformam’ os filhos ou alunos, deixando de transmitir as regras e os conceitos mínimos para uma vida saudável, ou tolhendo a iniciativa e a criatividade deles diante de novas situações. Uma das coisas mais comuns nesse processo é o fato de o adulto querer transmitir conceitos, sem dar chances para que a criança se manifeste, exponha seus interesses, demonstre suas aptidões e gostos. Uma história interessante nos diz que:
“Era uma vez um menininho. Ele era bem pequeno e a escola perto de sua casa lhe parecia muito grande. Mas, quando descobriu que podia entrar pela porta da frente, e que poderia ir à sua sala de aula por um pequeno corredor, que se tornou logo familiar, ele ficou feliz. E a escola já não parecia tão grande quanto antes.
Certo dia, a professora começou a aula dizendo: – “Hoje nós iremos fazer um desenho” – “Que bom!” – pensou o menininho. Ele gostava muito de fazer desenhos. Podia fazê-los de muitos tipos, de acordo com sua imaginação: leões, tigres, galinhas, vacas, carros e barcos. Ele pegou sua caixa de lápis de cor e começou a desenhar. Mas a professora interveio e disse: – “Esperem!
Ainda não é hora de começarem.”– E esperou até que todos os colegas estivessem prontos. – “Agora” – disse a professora, “nós iremos desenhar flores”. – “Que bom!” – pensou o menininho. Ele gostava de desenhar flores também, e começou seu desenho com lápis rosa, laranja e azul. Mas a professora disse: – “Vou mostrar como fazer.” – E desenhou uma flor vermelha de caule verde. – “Assim é que vocês devem desenhar” – disse, mostrando a sua flor – “Todos podem começar!”– Então, ele olhou para sua flor. Ele gostava mais da sua flor, mas não podia dizer isso. Virou o papel e desenhou uma flor igual à que estava no quadro – vermelha e de caule verde.
Num outro dia, em uma aula ao ar livre, a professora disse: – “Hoje iremos fazer uma escultura com o barro.”– “Que bom!” – pensou o menininho. Ele gostava de trabalhar com barro, e achou que poderia fazer todas as coisas que quisesse: um elefante, um carro, um cavalo…
E começou a amassar sua bola de barro. Mas a professora disse: – “Não é hora de começar” – e esperou até que todos estivessem prontos. – “Nós vamos fazer um prato.”– “Que bom!”. Ele gostava de fazer pratos de todas as formas e tamanhos. Mas ela continuou: – “Vou mostrar-lhes como se faz” – e mostrou como fazer um prato fundo, dizendo: – “Podem começar.”
Ele gostava mais do seu prato, mas não podia dizer. Amassou o barro novamente e fez um prato igual ao que lhe fora sugerido. A partir daí, o menininho passou a esperar, olhar, e fazer as coisas exatamente como a professora dizia. E desde muito cedo não fazia mais coisas por si próprio, como tanto gostava.
O tempo passou, a família mudou-se para outra cidade, e ele foi para outra escola. Maior que a primeira, com corredores enormes e, no seu primeiro dia, a nova professora disse: – “Hoje vamos fazer um desenho.”– “Que bom!” – pensou ele – e ficou esperando que a professora dissesse o que fazer.
Mas ela não disse nada. Apenas andava pela sala, até que veio perto dele e disse: – “Você não quer desenhar?”– “Sim”, ele respondeu – “mas o que vamos desenhar?”– “Eu não sei, até que você faça o seu desenho” – disse a professora. – “Mas, como devo fazê-lo?” –“Da maneira que você gostar”, respondeu ela. – “E de que cor?”– “Se todo mundo fizer o mesmo desenho, e usar as mesmas cores, como eu posso saber quem fez o quê? E quem sabe desenhar bem ou não?” – “Ah! Então eu sei”, disse o menininho.
E começou a desenhar uma flor vermelha, de caule verde!!!”
É lamentável, mas quantas carreiras, quantas vidas, vocações foram tolhidas, em casa ou na escola, em decorrência da eterna mania que os adultos têm de se julgarem donos da verdade, de quererem comandar os outros, especialmente as crianças e os menos favorecidos pela condição intelectual. Talvez ainda haja tempo para efetuarmos determinadas mudanças em nossas vidas.