Dia a dia

Dia a Dia

11 de maio de 2023

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS

Sempre a Verdade

Algumas dores dispensam comentários, quem já sentiu otite, dor de dente ou teve uma unha do dedão do pé inflamada sabe do que estou falando.

Nunca fui boa em lidar com dores. Quando eu trabalhava como dentista na zona rural, toda segunda-feira, parecia uma epidemia de dor de dente no Posto de Saúde.

Até hoje tento entender a predileção dos abscessos dentários pelo começo da semana, recordo-me que nem bem eu entrava no consultório com aquele ânimo de segunda-feira, e logo apareciam uns quinze abscessos gordos e lustrosos e inúmeros olhares, ah! os olhares piedosos me implorando:“Dona, tira a minha dor agora”.
E eu tinha que tirar.

Se por um lado, minorar a dor de quem sofre é gratificante, por outro não diminuí-la gera stress e autocobrança.
Eu ficava muito feliz quando uma simples broca no molar aliviava o meu paciente.
Depois de um tempo, troquei a caneta de alta rotação pelos códigos e livros de Direito, e no lugar das pulpites agudas comecei a ajudar as pessoas com os seus conflitos não resolvidos.

Imaginei que, como advogada, seria mais fácil cuidar das dores crônicas, cristalizadas e, supostamente, bem resolvidas pelos clientes. Puro engano!
Ao contrário das dores agudas que desaparecem num tempo curto de tratamento; a da alma, vem e fica. Como resolver numa conversa a tristeza de um abandono afetivo, a decepção com o cônjuge ou a raiva por ter sido ludibriada?

Quem já teve a oportunidade de fazer terapia percebe que o termo cura, um pressuposto da biomedicina, na psicologia não tem o mesmo sentido. É que as dores crônicas nos revisitam de tempos em tempos, e em cada reencontro elas se transformam, até que num dia qualquer(e torcemos para que ele chegue logo), não a reconhecemos como sofrimento, mas como uma experiência de vida que nos ensinou um pouco mais.

A gente pode aprender um monte de coisas com a dor, ouso parafrasear C.S.Lewis que disse que “ é o megafone de Deus num mundo surdo”, e acrescento que” é o cutucão de Deus para um coração mudo”.Dizem até que ela é necessária para a sobrevivência humana, a dor nos coloca limites.

Caso você esteja sofrendo hoje, desconsidere os argumentos racionais acima. Sei que essa conversinha de aprender com o sofrimento não faz muito sentido na hora do aperto.

Mas, se tem algo que faz sentido nas experiências humanas é a coragem de sermos honestos com as próprias emoções, ainda que elas sejam socialmente condenáveis. Sentimentos negados não deixam de existir, e aqueles silenciados provocam gastrite.
Diante do sofrimento, sou a favor do # honestidade e tenho reservas para o # gratidão, esta seria uma boa forma de se apresentar espiritualmente elevado, quando por dentro o coração está em frangalhos.

O meu ideal de mundo perfeito não é transformarmos forçosamente o nosso pranto em alegria, mas acolhermos as contradições que habitam em nós, sem silenciarmos as dores verdadeiras da alma.
Boa sorte para nós.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com