ADAÍLTON ALMEIDA DE SOUSA
Leve como uma pena
O dia foi um parto, a manhã pariu o sol bem cedo, o galo cantou como um despertador, e todos da fazenda despertaram.
O cheiro do café coado aqueceu os pulmões, encorajando todos a tomarem as rédeas de suas tarefas. Não havia protestos, o dia começava bem cedo por lá, e cada um estava incumbido de uma função.
Miriam, por ser a caçula, tinha o trabalho mais gentil: alimentar as galinhas. Nem por isso era de menor importância, pois como dizia sua mãe, as aves faziam milagres para a família, que dependia de sua venda para comprar outros mantimentos para a casa.
Naquela manhã, a garota não fez corpo mole, levantou-se disposta, calçou as botas que eram um pouco folgadas para os seus pés, e foi de encontro ao seu ofício. Atravessou a porteira, em ritmo de quem segue uma procissão e entrou no galinheiro, o seu espaço sagrado de todas as manhãs. Lá estavam dezenas de bichos abobalhados, com olhos ansiosos mirando a cesta que a menina trazia em mãos.
Rodeada pelas aves, começou a jogar punhados de milho no chão, tomando cuidado para não se desequilibrar em meio à disputa. Vez ou outra conversava com elas, mesmo sabendo que elas não podiam compreender suas palavras, depois de algum tempo naquela atividade, já sabia o temperamento de cada uma.
As galinhas só tinham o milho para lutar, ela não, ela sabia que a sua responsabilidade era maior, mesmo pequena, por isso encarava o labor com muita seriedade, apesar de achar divertido.
O pai vivia aperreado quando as vendas não iam bem, por isso engordar bem as galinhas era como ter em suas mãos a missão de tranquilizar o pai, que não tinha muito tempo para ouvi-la. Se o pai estivesse em paz, as coisas iam bem, sua mãe cantarolava e fazia bolo de aipim, ela podia ir à cidade e até ganhava roupas novas.
Brincar de gente grande não era tão ruim, o peso da sua responsabilidade era o peso das aves, e não reclamava disso, vivia feliz.
Contudo, ultimamente estava preocupada com Lola, a galinha de penas ruivas. Simpatizava com o bicho, principalmente pela sua educação, porque era a única que não entrava em disputa com as outras, esperava sua vez para comer e ciscar. Porém acabava por não ganhar peso, pois comia pouco, o que sobrava.
No começo a menina achou que a galinha era muito tola, porém com o passar do tempo se convenceu de que na verdade Lola era muito esperta, pois quanto menos engordava, menos chances tinha de ser vendida na feira e acabar na panela.
Isso não significava que o bicho era inútil, pois tinha uma qualidade muito bem vista por Miriam, era uma exímia chocadeira, zelava pelos ovos que botava e também pelos adotivos, qualquer mão boba que se atrevesse aproximar da prole levava uma bicada.
Naquele dia, porém, mesmo rodeada pelas aves, o galinheiro parecia oco, foi então que a garota percebeu que até então não havia escutado o cacarejo de Lola.
Subitamente, após se dar conta que era domingo, dia de galinhada, a menina correu para a casa, temendo que Lola fosse o almoço do dia.
Chegou no exato instante em que sua mãe depenava uma ave, mas para seu alívio as penas eram brancas.
Foi então que a porteira se abriu, e avistou o pai vindo em sua direção, carregando Lola nos braços. O homem disse à esposa que todas as galinhas tinham sido vendidas na feira, exceto a galinha magricela.
Miriam se sentiu leve como uma pena.
Pai, por favor, deixe a Lola viver, ela é diferente, não é como as outras. Disse a menina ao pai. Este por sua vez, fitou os olhos bobos do bicho, não vendo diferença alguma. Antes de entregar o animal à filha, quis saber o porquê daquela ideia de protegê-la.
A menina então respondeu que era Lola quem criava os pintinhos que mais adiante seriam vendidos, quando crescidos, e que era a galinha que trazia paz para a fazenda.
Convencido, desde aquele dia o homem passou a olhar o bicho com outros olhos e a ouvir mais vezes a filha.
ADAÍLTON ALMEIDA DE SOUSA, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados