1 de fevereiro de 2024
Piadas e pedradas
Tenho o riso barato, gasto com qualquer coisa. Acho graça desde a piada dos dois tomatinhos desavisados na rua, até o humor sutil e crítico de Ariano Suassuna.
Dizem que, para o artista, fazer humor é muito mais difícil do que drama. O riso exige precisão, o bom comediante descobre o time da piada, de forma a não mobilizar emoções negativas do ouvinte. Por isso, as chacotas feitas durante a pandemia e sobre ela foram consideradas desrespeitosas. Toda história que nos toca emocionalmente não nos faz rir.
Observo muita gente, sobretudo da geração anos 70-80, reclamando que o mundo está politicamente correto demais. “Não podemos mais zoar as pessoas. Que chato!” É como se a geração X quisesse desforrar os bullyings sofridos na infância e esteja reclamando por não se divertir com o constrangimento alheio.
Entendo que essa geração conviveu, dominicalmente, com o humor discriminatório de um certo grupo de galhofeiros. Hoje suas caçoadas não teriam graça nenhuma.
O riso tem tanto o poder de conectar pessoas, quanto de excluí-las.
Morro de saudades de uma crise de riso incontrolável na qual experimentei uma conexão singular com uma amiga. Queria rir de novo daquele jeito. Por outro lado, se alguém no grupo não riu, não valeu a piada.
Não vejo problema e me divirto com um humorista de stand up que faz piadas bizarras com crianças e com a Igreja . E não acho graça nenhuma em piadas racistas, homofóbicas, capacitistas e misóginas. Enquanto o primeiro comediante ironiza instituições consolidadas, como a infância e a igreja, o humorista sem traquejo tenta fazer graça com valores que nós, como sociedade, ainda estamos lutando para entendê-los e referendá-los.
Quem ri de piadas preconceituosas retira a seriedade de assuntos que precisam ser debatidos e não satirizados, legitima comportamentos ofensivos e perpetua atitudes discriminatórias. É brincando que expomos nossas verdades.
Convido vocês a seguirem essa comparação: meu pai contava que já matou passarinhos com estilingue na infância. Na minha geração, a maioria dos moleques, já não via sentido em matar um bichinho tão inofensivo e encantador, mas ainda havia quem os matasse. Hoje, se presentearmos uma criança com estilingue, e ela o utilizar para o seu fim específico haverá, no mínimo, duas infrações penais. Os nossos valores éticos atuais são outros. Que bom!
Se não podemos controlar as pedradas que saem do nosso coração por este estilingue denominado língua, devemos, pelo menos, policiar nossos olhos e ouvidos para fazermos parte de um todo que seja um pouco mais humano.
PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com