PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA
Antônio Régis, Celésio e o 1113 vermelho
Lá pelos idos de 1980 eu estava de férias no Carmo e, incapaz de ficar sossegado descansando, estava procurando algo para fazer. Nessa época eu gostava muito de visitar o Antônio Régis, meu primo, pai da Leca veterinária, que era engenheiro e morava em São Paulo. Foi Antônio Régis o responsável pela ampliação do hospital do Carmo e, além da doação dos projetos da reforma e ampliação, ele fez doações em dinheiro, doações de materiais de construção e ajudou como pode na época.
Quem buscava as sobras dos materiais da construtora do Antônio Régis em São Paulo era o Celésio. Para quem não o conhece ou só o conhece de vista, o Celésio passa uma imagem de homem mau, tipo Jece Valadão, o ator com mais cara de cafajeste da TV e do cinema brasileiro. O que não é verdade, pois Celésio é de uma simpatia e bondade sem fim.
Eu o procurei e ele imediatamente se prontificou a me dar uma carona. Saímos do Carmo numa tarde bonita no mercedão 1113 dele. Celésio, muito conversador e muito animado, enriquecia minhas férias com bons casos, boas risadas e muita diversão.
Passamos por Guaxupé e logo pegamos a rodovia Bandeirantes em SP. Andamos um pouco e um guarda deu sinal para o Celésio parar.
Os guardas da polícia rodoviária de SP estão sempre com uniformes impecáveis, um quepe muito bonito, tem porte físico avantajado e metem medo quando nos abordam. Ele se dirigiu ao Celésio:
– Documentos por favor.
– Pois não “seo” guarda.
Documentação ok, o guarda dá uma olhada no 1113, nota que está vazio e fala novamente com o Celésio:
– Senhor Celésio, o senhor notou que está com a lanterna traseira direita queimada?
Celésio desceu do caminhão e foi lá atrás junto com o guarda. Eu também desci. Estava começando a anoitecer.
-Uai “seo” guarda, só se queimou hoje. Não estava queimada não.
-Sei…pois é, então vou ter que guinchar o caminhão e multa-lo.
-Que isso “seo” guarda?!?! Tem um posto ali na frente, olha as luzes. Eu dou uma corridinha até lá e troco essa lâmpada rapidinho.
-Não posso libera-lo senhor Celésio, o senhor tem que entender a minha parte.
Celésio notou que o guarda queria dinheiro.
-Pérái “seo” guarda, não tem problema. Vou pegar uma chavinha de fenda na minha caixa de ferramentas e já resolvo isso aqui mesmo então.
Celésio abriu a porta do caminhão e começou a puxar um facão que estava debaixo do banco do motorista. Até eu estranhei o comprimento da lâmina, mais comprida que esperança de pobre. E falou para o guarda:
-“Seo” guarda, estou sem chave de fenda, mas acho que consigo tirar a lanterna com esse facãozinho aqui.
O guarda, quando viu a “chavinha de fenda” na mão do Celésio, um facão daqueles de abrir picada em filme de Tarzan, anoitecendo, dois homens e ele sozinho, se assustou e se apressou em liberar o Celésio:
-“Seo” Celésio, está anoitecendo, já vi que o senhor está com boa vontade, vamos deixar isso prá lá. Vá até o posto e conserte essa lanterna com calma. Boa viagem.
Entrou na viatura policial e arrancou apressadamente.
Também entramos no 1113 e o Celésio, satisfeito com o desfecho da negociação, se gaba para mim:
– Viu? Vê lá se eu, dando um duro danado, trabalhando, vou dar dinheiro para vagabundo. Você não sabe como esta minha “chavinha de fenda” já me ajudou…
<a>
PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.