23 de dezembro de 2023
ADAÍLTON ALMEIDA
Depois do trabalho, o homem seguiu em direção à sua casa, no caminho observava vagamente as lojas com decorações natalinas e casas com guirlandas nas portas. Na entrada de uma das lojas, um senhor vestido de Papai Noel distribuía balas para as crianças.
Pessoas caminhavam apressadas com sacolas nas mãos e embrulhos com presentes, provavelmente aqueles que deixaram as compras para a última hora, o homem, porém, caminhava a passos lentos, sem pressa de chegar em casa, desviando-se de um ou outro transeunte.
Finalmente girou a chave na fechadura da porta do seu apartamento, a qual não possuía guirlanda, entrou e se desmoronou em uma poltrona, já estava tarde e ele estava cansado do dia exaustivo que teve durante o plantão na repartição.
Naquela noite não havia presentes sob o pinheiro enfeitado. O pinheiro, aliás, era artificial, comprado de um camelô, sua irmã, ao visitá-lo, insistiu para que o colocasse na sala de visitas.
Tomado de ceticismo e alheio às confraternizações de fim de ano, não quis participar do amigo oculto do trabalho.
Não esperava ninguém descer pela chaminé, até porque chaminé não tinha no apartamento. Num país tropical, lareiras eram raras.
Ligou a TV e ficou alternando entre os canais, a tela exibia cenários onde se destacavam cores em verde e vermelho. Sem prender a sua atenção, resolveu ir à cozinha esquentar uma pizza congelada, no microondas, que seria o seu jantar, sobre a mesa uma jarra com água.
Era quase meia-noite, o silêncio pairava, sem barulho de sinos, fitou o pinheiro solitário, sem estrela na copa, presépio também não havia por perto.
Da janela da sala era possível ver o prédio da frente, onde uma família se reunia, crianças corriam ao redor de uma mesa farta.
Natal, natal… lembrava-lhe a infância e tinha cheiro de rabanadas. Mas sentia algo de triste naquela época, causava-lhe certo incômodo e paradoxalmente paz, como se o ano vindouro pudesse milagrosamente ser melhor.
A algazarra aumentou no prédio da frente, o relógio marcou meia noite, pessoas se abraçaram.
Na TV ligada, iniciava-se a missa do Galo.
O microondas emitiu o som de que a pizza estava aquecida.
Levantou-se do sofá e se espreguiçou.
De súbito, a campainha tocou.
Surpreso, por não estar esperando visitas, pensou que fosse alguma criança do 45, pregando-lhe uma peça. Não esperava visita, nem mesmo do síndico.
Girou a maçaneta e se deparou com a senhora do 41, que morava sozinha, a não ser pela dezena de gatos que conviviam com ela.
A anciã devia ter uns oitenta anos ou mais, a cabeça alva, mas os olhos azuis e bem vivos. Trazia uma travessa nas mãos.
“Ei mocinho, desculpe o incômodo. Eu fiz um assado e pensei que quisesse um pouco. Ah… e feliz natal!”’
“Ah sim… Obrigado. Feliz natal. É… Por favor, entre.”
“Sabe, você se parece muito com o meu netinho.”
“É mesmo?” − Sorriu o rapaz, desconcertado.
Não imaginava ser abraçado também naquela noite, o que ocorreu, muito menos por alguém que não lhe era próximo. Por fim, compreendeu que talvez o natal tivesse algum significado de partilha, mesmo que fosse partilhar a solidão.
A pizza esfriou e o assado estava saboroso.
ADAÍLTON ALMEIDA, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados