PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS
Parque Aquático
“Ninguém pode dar o que não tem” é uma premissa básica no universo jurídico. A propriedade só se transmite por doação pelo real proprietário.
Desrespeitando esse princípio jurídico vivenciei uma experiência constrangedora.
Meu sobrinho, hoje homem feito, foi o primeiro neto e nasceu logo após a morte precoce de mamãe. Não preciso pormenorizar a grande alegria que trouxe aos nossos corações enlutados e o quanto a família estava disposta a paparicar aquele bebê.
No seu primeiro Natal, queríamos presenteá-lo com o Presidente dos EUA recheado com brigadeiro Gourmet, mas como Mr.
Bush estava muito distante, nos contentamos em dar-lhe um Parque Aquático. O brinquedo era tão caro que foi cotizado entre pais, avôs, tias, padrinhos e por pouco não fizemos uma rifa para arrecadar o dinheiro das doze prestações.
Tratava-se de uma piscina em tamanho gigante inflada por uma bomba de ar, assim como uma boia. Depois, colocávamos uma pequena lâmina de água e o bebê se molhava e brincava com vários bichinhos também inflados. Chamava-se Parque Aquático justamente pela presença desses bichinhos.
O interesse da criança durou o mesmo tempo das prestações, e no Natal seguinte o presente já estava num depósito onde guardávamos objetos variados, dentre eles, as coleções de livros do meu pai. Quatro grandes coleções: as obras de Jorge Amado, de Machado de Assis, de Monteiro Lobato e os Clássicos da Literatura Universal, tudo em capa dura e papel Bíblia.
Naquele Natal, papai me presenteou com as quatro coleções. Nem de longe eu teria forças para transportar a herança (livros e estantes) até minha casa. Elas também não cabiam no carro.
Resolvi contratar um carroceiro para fazer o serviço.
No dia marcado, apareceu um senhorzinho muito franzino e humilde, e começamos a nossa labuta para colocar os livros e a estante na carroça. Ele me contou da família e das dificuldades para cuidar dos netinhos esquecidos pela filha desajuizada.
Terminado o serviço, vi o parque aquático sujo e esquecido num canto do depósito. Era Natal, eu havia ganhado quatro coleções de livros e o espírito natalino se apoderou do meu coração.
Achando que estava fazendo um grande bem por liberar espaço no depósito e alegrar algumas crianças, doei o Parque Aquático, que não era meu, para os netinhos do carroceiro.
Fui contar a façanha para minha irmã, a verdadeira dona do Parque Aquático e, pela reação dela, vi que tinha feito “caca”.
Foi uma corrida contra o tempo, depois de entregar os livros na minha casa, o carroceiro turbinou um motor 2.0 na carroça e sumiu na cidade.
Eu estava num dilema. Caso as crianças já estivessem brincando com o parque, eu não teria coragem de pegá-lo de volta. Por outro lado, não possuía o dinheiro necessário para comprar outro para o meu sobrinho.
Eu ligava e o homem não atendia ao telefone. Corri para a praça onde os carroceiros se reuniam, mas ninguém sabia dele. Com muito custo, um outro carroceiro tentava me explicar onde ele morava sem sucesso. Pedi que me guiasse e fomos tal e qual um filme de ação pelas ruas do bairro Santa Luzia: a carroça na frente e o meu Gol atrás, lotado de brinquedos que minha irmã juntou em tempo recorde para compensar as crianças que ficariam sem o presente.
Cheguei na casa do senhor e o Parque Aquático já estava pronto para ser inflado. Para o meu alívio as crianças não estavam em casa e não o viram. Super envergonhada pedi para trocar o brinquedo que eu havia doado pelos outros que estavam no meu carro, o que foi aceito na hora e com alegria.
Como dizia um grande professor de Inglês dessa cidade (Van Dijk):
“É com o erro que se aprende”.
Aprendi e ficou para a vida toda.
PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com