Dia a dia

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7 de dezembro de 2023

PATRÍCIA PEREIRA

Olho por olho, dente por dente?

Uma noite dessas, ao assistirmos à libertação dos reféns no Oriente Médio, o meu filho me questionou: “Mamãe, é possível amar os inimigos?”
Surpresa com a pergunta, respondi que Jesus nos ordenou que os amássemos, e por isso deveríamos obedecê-Lo.
Torci para o assunto acabar, mas ele continuou: “Mamãe, você ama o seu inimigo?”

A princípio, pensei em dizer-lhe que não tinha inimigos. Certamente alguém capaz de me sequestrar e seviciar, como um inimigo de guerra, de fato não possuo.
Mas se pensarmos na figura do “inimigo” como alguém que confronta o nosso ego, posiciona-se contrário aos nossos projetos, testa os nossos limites emocionais, pode ser que essa lista cresça.

A pergunta do meu filho merecia uma resposta, se não para ele, para mim.
Fiquei pensando em como é fácil amar a humanidade.
Ela não tem rosto, não possui olhar crítico, nem sorriso cínico, não subtrai os nossos espaços de expressão, não diminui o nosso mundo e não nos impede de ser quem somos.

Também é mais fácil amar o João, a Maria e o José, desde que os nossos pensamentos, ideias e valores estejam afinados com os deles.
O problema começa quando os Joãos, as Marias e os Josés presentes em nossas vidas, de forma perene ou casual, confrontam os nossos desejos e objetivos cotidianos.

Nessas situações, por mais que eu tente, e como tento, não consigo afastar o meu espírito julgador sobre a postura do meu antagonista. Então, fica bem difícil amá-lo.

Amar o inimigo! Talvez essa seja a prova final da nossa experiência espiritual.
Quando os ânimos se exaltam, é um desafio fugirmos de discussões tolas, de ambientes hostis e do nosso desejo irracional de vingança.

Aliás, o nosso senso de justiça nos impulsiona a tratar o bem com o bem e o mal com o mal. E ainda encontramos justificativas de nossas ações na própria Bíblia Sagrada (Levíticos 24:20). Afinal, está escrito: “Olho por olho, dente por dente”.
Para nos auto justificarmos deturpamos o sentido da Lei de Talião. Essa regra não é uma apologia à vingança, mas um recurso usado para impor limites às retaliações. Do contrário, seria “dente por rim, olho por pulmão”.

Reconheço que a minha necessidade infantil de julgar a conduta alheia sempre estará adstrita a um conhecimento pobre e parcial da realidade. Então, ao fazer a prova final na escola da vida, estou sempre de recuperação na matéria “Amar os inimigos“.

Com as aulas de reforço, estou aprendendo que o Único capaz de realizar um julgamento justo é Aquele que enxerga todo o processo. Que a melhor forma de exterminar os nossos opositores é transformando-os em amigos.
Para Martin Luther King Junior: “O amor é a única força capaz de transformar os inimigos em amigos”.

Parece utópico e impossível experimentar esse sentimento, mas tratar o mal com o bem não é humano, é Divino. Nunca será pelas nossas forças, mas por meio dAquele que transforma os corações.
Tento ser uma aluna aplicada. Quero responder à pergunta do meu filho com a autoridade de quem aprendeu a lição. Agora, se vou passar de ano ou continuar na sala de recuperação só o tempo poderá me dizer.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com