21 de novembro de 2023
DÉCIO MARTINS CANÇADO
Um dos desafios mais urgentes que, tanto os pais quanto as escolas e a sociedade estão enfrentando, é o de lidar com os problemas da ‘disciplina’ dos jovens, ou com a falta dela que, a princípio, não está diretamente atrelada a regras, normas previamente impostas, castigos ou punições, como poderíamos supor, associando-a ao modelo militar ou conservador que conhecemos.
Até então, a disciplina, na maioria das escolas, sempre foi pautada por princípios autoritários, embasados em padrões de comportamento que supunham passividade e submissão por parte dos alunos e, caso isso não ocorresse, a consequência natural seria a exclusão; já em outras escolas, tidas como liberais, o que sempre ocorreu foi a permissividade, a falta de controle e de limites, uma verdadeira bagunça, sem respeito e quase nenhuma regra.
Hoje em dia, verifica-se uma forte tendência de se adotarem padrões mais equilibrados e sensatos, onde a disciplina seja conseguida embasada numa forma de agir mais interativa, em que haja maior participação de todos e reinem o respeito mútuo, a solidariedade e a inclusão.
Conseguir um relacionamento harmonioso e disciplinado não é tão simples como a princípio possa parecer, em virtude de inúmeros fatores. O primeiro deles é a diversidade de famílias, das quais os alunos são oriundos; cada qual com seus valores, suas prioridades, seus temperamentos e seus tempos disponíveis para ‘ser e conviver’, para transmitir princípios e cobrar resultados dos filhos, ainda mais com a crônica falta de tempo alegada pelos pais e pelo ‘novo’ modelo de família, na qual os pais já não convivem como casal.
Por outro lado, os valores presentes na escola são os valores presentes na sociedade, ou seja, a crise disciplinar no ambiente escolar faz parte de um conjunto maior de transgressões encontradas com muita frequência fora dela. É o carro que não para no semáforo, o motoqueiro que passa sem capacete fazendo manobras cada vez mais perigosas, a ‘madame’ que leva seu cachorrinho para fazer necessidade biológica na calçada, exposição de faixas e cartazes não autorizados, poluindo visualmente o ambiente, pneus, latas e garrafas lançados nos rios, troco de padaria que recebemos em balas, propaganda volante em volumes perturbadores incomodando uma cidade inteira, excessivo consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade, sem qualquer vigilância ou punição, entre outras coisas.
Como entender o problema da indisciplina? Ela poderá ser refletida, analisada e entendida como sendo o reflexo de uma crise de objetivos por parte das crianças e adolescentes, marcada por uma grande incerteza sobre o futuro, pois o que se vê nos noticiários é desalentador; são crises institucionais, financeiras, políticas e morais, como também, talvez a mais importante, uma crise de limites, resultado de um movimento de desconstrução de uma sociedade autoritária, da qual fomos vítimas em um passado recente.
Impossível deixar de analisar o papel da mídia na formação dos valores de nossos jovens e de nossa sociedade. Em primeiro lugar, somos bombardeados, constantemente, por notícias e publicidades com forte apelo emocional, com a consequente quebra de limites e referenciais, tão necessários como parâmetros para que se tenha uma boa formação.
Somos vítimas, de uma forma direta, e às vezes muito subliminar, da erotização precoce das crianças, da imposição de padrões de beleza, moda e costumes – basta ver a influência das novelas, que acaba ditando a maneira de vestir, de pentear ou cortar os cabelos, de falar e de se comportar – com o fortalecimento de estereótipos e, finalmente, a priorização da cultura da imagem.
Como se vê, não é tarefa fácil harmonizar tantas influências, tantas intervenções, tanta diversidade que cria, de forma cada vez mais contundente, a falta de referências para um proceder coerente, responsável, equilibrado e disciplinado. Onde vamos chegar? É a pergunta pertinente do momento. Como ser uma pessoa disciplinada, que saiba respeitar a individualidade de cada um, que saiba conviver promovendo a paz e o entendimento no ambiente onde esteja?
Até mesmo os adultos, em especial, os pais e professores, estão ficando sem parâmetros para análise, em virtude do excesso de informações e da falta de perspectivas de que ocorra alguma mudança, para melhor, num curto espaço de tempo.
É muito importante não perder as esperanças e acreditar que somos, sim, capazes de lidar com esse tipo de problema, buscando soluções que nos permitam ‘ser’ melhores, e ‘conviver’ harmoniosamente.