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Dia a Dia

BENEDITO JOSÉ

Enquanto eu viajava

Enquanto eu aguardava meu voo, observei o comportamento das pessoas desconhecidas. A pressa dos atrasados, a correria dos esquecidos, a desorientação dos distraídos, a calma dos idosos, a hipnose coletiva dos celulares, o prazer dos consumidores, a irritação das crianças, o olhar de fome nas filas, as raças variadas, a multiplicidade da beleza humana, todos estes elementos compunham o espaço comum do aeroporto.

Pessoas que jamais imaginei encontrar pessoalmente, pessoas que jamais verei novamente, pessoas que nem notaram minha presença, pessoas de todas as personalidades, cada uma com sua dor e com seus sonhos, cada uma preenchendo seus dias conforme suas possibilidades. Viajar é preciso, viver é redundância.

Enquanto eu aguardava meu voo, o tempo sem relógio teimava em existir. Vidas eram suspensas de obrigações e rotinas, pessoas se incomodavam com a saída da zona de conforto, casais revelavam impaciência em público e trabalhadores cansados trocavam gentileza ou mau humor ao gosto dos clientes. O medo de avião era silencioso, o deslocamento de malas era rápido como carros em final de tarde, a desinformação sobre portões de embarque preocupava até aos viajantes mais experientes.

Passageiros desrespeitosos, querendo levar vantagem em tudo sobre todos, furavam filas abertamente, esquecendo-se de que seus assentos são numerados e todos voariam em conjunto. Idosos cadeirantes embarcam primeiro, diante da ansiedade dos afoitos; depois vem os casais com crianças pequenas, bloqueados pelos mais estressados; depois os passageiros das zonas 1 e 2, disputando espaço com os mais apressados das zonas 5 e 6. A chamada de embarque revela muito de cada passageiro.

Encontrar espaço para colocar nossa bagagem de mão, tem sua adrenalina. Muitos passageiros violam as regras, trazendo bolsas extras e malas fora da medida autorizada. Depois que você se senta, quase derrubam bolsas sobre sua cabeça, além do carinho de algumas cotoveladas.

Há quem queira conversar com os passageiros ao lado, mas há também quem prefira silenciar seu desapontamento, diante do comportamento questionável de pessoas inconvenientes. Crianças de colo choram, estrangeiros tentam pronunciar as primeiras palavras em nosso idioma, comissárias de bordo se espremem ao pedir passagem nos corredores estreitos do avião. A adrenalina continua alta até que o avião decole, sinalizando o início da viagem para a torre de comando. No entanto, a viagem de cada um começou dias antes, e para tantos, será lembrada anos depois.

Expectativas e medos rearranjados internamente, pouco a pouco a sensação de estranheza, diante do incontrolável, vai se organizando externamente em novas interações. Uns querem falar para relaxar, uns querem contar sua vida a estranhos, uns só desejam assistir aos filmes disponíveis, enquanto outros oram para chegar vivo ao destino final ou posicionam-se para um leve cochilo, até serem acordados pelo serviço de bordo.

Tem aquele lanchinho sem graça, aquela jantinha sem tempero, aquele cardápio que jamais seria escolhido num restaurante, sem contar do espaço limitado para colocar a bandejinha e comer, sem levar um esbarrão do vizinho. Comissários de bordo cansados e aeromoças solícitas completam seu trabalho com maestria. Agora, cada um que faça o que quiser, desde que não quebre mais regras.

Viajar de avião é sempre uma experiência desafiante. Ser colocado dentro de uma lata de sardinha, comportar-se como soldado diante do Major da tropa, fingir que está prestando atenção nas demonstrações de emergência apesar do medo oculto de que o avião possa cair, tudo isso será transformado mais tarde em narrativas familiares. Quem conta um conto, aumenta um tanto. Quem decola, sempre descola um certo drama.

Quem aterriza, sempre se borra de alívio por chegar vivo ao chão. Enquanto eu viajava, eu passeava dentro das artérias e veias da Humanidade. O avião somos todos nós. A vida é esta grande viagem arriscada. O ar é o tempo necessário para encurtar distâncias, mas o chão é nosso berço estável. Voar é predicado da imaginação. Partir e chegar é consequência de nossas escolhas. Medo e nariz, cada um tem o seu.

O Piloto não é deste mundo. Os passageiros são aqueles que cruzam nosso caminho. A torre de controle é o princípio da incerteza. A experiência é proporcional a nossas horas de voo… e a empresa aérea, ela só quer acreditar que existe vida após a morte.

BENEDITO JOSÉ, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados

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