31 de março de 2023
Bem que gostaria de intitular este texto simplesmente como: “Minhas férias”. Daí lembrei-me que não era uma redação para a minha professora primária e resolvi incrementar.
É que o mosquito da Jequice resolveu me picar às vésperas da viagem. Como fazia um bocadinho de tempo que eu não adentrava a uma aeronave, cismei que ela iria cair com quase toda a minha família dentro, digo quase, porque por motivos singulares, faltaram ao passeio dois membros dela: meu sobrinho adolescente e o papai.
Nem bem senti os sintomas de estar “jeca”, peguei a legislação para fazer um testamento e o fiz conforme o Código Civil. Convoquei três amigas para testemunharem o que seriam as minhas disposições de última vontade.
Uma das amigas me encorajou dizendo que eu estava sendo zelosa e previdente; a outra, disse-me que se sentiria culpada se algo ruim me acontecesse e a terceira nada falou, só assinou o testamento particular, mas desconfio que no íntimo as três estivessem questionando a eficácia do meu remédio psiquiátrico.
O fato é que fiz o tal testamento e ele elencava as glebas de terra no Mato Grosso, os apartamentos no Leblon, as salas comerciais na Paulista e também especificava como eu gostaria que o papai, que se encontra em extrema vulnerabilidade física, fosse cuidado.
É bem verdade que para o tal testamento ser válido precisaria do registro no Cartório de Notas. Ponderei os custos e achei que o dinheiro seria melhor empregado em maquiagens do Duty Free, pelo menos, eu ficaria uma defunta engraçadinha (como se isso fosse possível para vítimas de acidente aéreo).
Como vocês estão lendo esta crônica, significa que o testamento caducou e antes que me sequestrem, as terras que possuo estão apenas debaixo da unha do dedo mindinho e a minha única vontade lúcida, livre e desembaraçada era a que o papai fosse bem cuidado.
Assim como os gringos imaginam que encontrarão no centro de São Paulo um monte de índios pelados falando tupi-guarani, também imaginei encontrar em cada esquina da Argentina o Al Pacino me convidando para dançar “Por uma cabeza”.
Mas, o que vi foi um monte de argentino com cara de brasileiros e tão ou mais apaixonados por futebol do que nós. Eu olhava para um lado via o Di Maria, para o outro o Maradona, para cima Tevez, para baixo Riquelme e para todos eles o Messi.
O país respira futebol, e confesso que, diante de tanta paixão e respeito que nutrem pela bola, a minha antipatia pelo jogo deles até diminuiu e voltei para o Brasil um tiquinho torcedora do Boca Junior.
Porém o mesmo povo que se diverte com a pelota demonstrou raízes profundas de consciência política.
No último dia vinte e quatro de março, em comemoração à queda da Ditadura Militar, uma multidão foi para as ruas relembrar a barbárie do regime ditatorial e protestar por melhores condições de vida.
E por uma falha proposital do meu GPS interno, acabei no meio dessa multidão, segurei firme nas mãozinhas do meu filho e as levantei em sinal de solidariedade aos nossos vizinhos, enquanto, argentinos de todas as idades gritavam Viva La Democracia.
Acompanhando a passeata havia uma batucada ao estilo samba, mas garanto que não vi nenhum argentino sambando dentro dela. O assunto era sério e não acabou em samba.
Por fim, trouxe duas experiências comigo: a primeira, gratificante, foi encantador celebrar a Democracia junto a um povo que está passando por tantas dificuldades econômicas; já a outra… Onde eu estava com a cabeça para ficar três horas na porta de um restaurante aguardando para comer carne, sendo que nem de carne eu gosto? Pura Jequice!
PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com