Dia a dia

Dia a Dia

14 de outubro de 2023

SILVIA HELENA DOS REIS

A professora

No primeiro dia de aula, Helena era um misto de expectativa e medo. Sua carreira de professora concursada começava ali. Levantou-se assim que o relógio tocou. Era bem cedo e iria iniciar sua tão sonhada carreira de professora. Fizera o concurso e fora aprovada. Tudo era novo. Helena levava o coração cheio de alegria e amor. Levava boa vontade em fazer o melhor pelas crianças.

Outros pensamentos povoavam sua mente: como seriam as crianças? Mais meninas ou mais meninos? Iriam recebê-la com carinho? A escola seria bonita? Ficaria perto do ponto onde ela desceria? E o ônibus? Seria arejado e confortável?
Seu pai se prontificou em leva-la até o ponto de saída do ônibus. Logo a professora pode ver que nem tudo era festa.

O ônibus não era bem o que ela imaginara. Vários bancos mostravam em seus assentos que muitos anos de caminhada já fizera. Ao tentar acertar o encosto para sua pessoa, ele não era nem um pouco obediente aos comandos. Mesmo assim, manteve postura e esperança de que seria uma viagem curta.

Ao iniciar o trajeto na zona propriamente rural é que pode sentir o quanto seria colocada a prova em seus propósitos de uma carreira prazerosa e feliz. Eram tantos buracos que a professora pensou estar o motorista a fazer uma viagem para a Lua. Era sair de uma cratera e cair em outra. Tentou encontrar novos atrativos na natureza que se mostrava pela janela.

Seus olhos logo identificaram as belas serras tão verdes que era possível imaginar os pássaros que viviam naquelas árvores. Casas iam surgindo por entre as curvas dos caminhos e em pontos diversos um grupo de crianças entrava no ônibus com olhares brilhantes e curiosos. Com certeza esperando encontrar novos amigos e nova professora para o ano de estudos.

Ao chegar em seu ponto de parada Helena desceu e buscou informações de onde seria a escola. Alguém lhe disse que seguisse em frente e fosse perguntando. Chegou na escola depois de andar por uma hora. Aquilo deveria ser brincadeira. Porque uma escola tão longe do ponto de ônibus? Logo obteve a resposta de que só ali havia um senhor generoso o bastante para ceder um cômodo de sua casa para o funcionamento da escola.

E as crianças foram chegando e seus sorrisos se apossando do coração de Helena. Eram os seus alunos. Crianças simples e lindas. Crianças que precisavam de ajuda, de alguém que se importasse com elas. Que lhes oferecesse letras para construir suas histórias. Palavras para iluminar um caminho em construção. Uma professora que olhasse em seus olhos e lhes mostrasse como é bom o cheiro de um livro e as cores que os lápis podem pintar. Que os números também são belos quando a colheita é farta.

Foram se aproximando como passarinhos ariscos e medrosos. Sentaram nas carteiras até então solitárias e olhavam para a professora como que encantados por uma fada madrinha. Temeram que Helena fosse mais uma que desistiria. Afinal a escola ficava longe do ponto. Mas, ali estava ela.

Helena olhava para eles como se visse pequenos pintassilgos, beija- flores, andorinhas, bem-te-vis.
O dia foi cheio de surpresas e descobrimentos.
Helena fez o caminho de volta não acreditando que teria aquela distância para percorrer todos os dias. Idas e voltas. Talvez seria melhor tentar outra escola.
E assim fez por toda semana. Na sexta-feira já sabia que não queria ficar. Também sabia que seria difícil despedir- se das crianças.
Pelo caminho ensaiava como diria sua despedida.

Chegando à escola grande surpresa lhe aguardava. As crianças ao seu encontro vieram. Mais lindas que nunca. Traziam pequenos buquês de flores campestres enlaçadas com retalhos de tecidos, caixinhas coloridas com quadradinhos de doces de abóboras e cartinhas diversas desenhadas com muito esmero e simplicidade onde estavam sempre de mãos dadas com a professora.

E era tanto sorriso e amor na entrega que lágrimas de alegria fizeram brotar naqueles corações uma amizade nunca antes vista. Um bem querer mais que bem querer. E a professora esqueceu a despedida. Aprendeu a mais bela lição: para o amor não existe distância que um abraço de criança não possa encurtar.

SILVIA HELENA DOS REIS, escritora e contadora de histórias. Membro da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras e da Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos associados se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados