PATRÍCIA PEREIRA
Mentirosos mentem que nem sentem
Já tive birra de mentiroso.
Apesar da mentira desmoralizar princípios éticos e ferir o coração de Deus, a minha maior ojeriza aos enganadores é eles acreditarem que suas lorotas me convenciam, subestimando minha capacidade crítica de analisar os fatos. No final, tudo vaidade!
Com a maturidade, tornei-me mais leve. Aprendi a ser mais condescendente com os mentirosos e, algumas vezes, por pura cortesia, fingir-me de boba.
Mentir dá trabalho e exige uma memória absurda do falsário. Afinal, as balelas narradas devem ser bem engendradas e não contraditórias.
Quando percebo que estão me faltando com a verdade, por pura curiosidade, dou corda, para testar a habilidade do enganador e até onde ele conseguirá chegar.
Um dos fajutos que já ouvi, conseguiu chegar até a Nasa. Ele me contou que o pai realizara inúmeros cursos nos EUA. A finalidade seria sempre participar de treinamentos promovidos pela Nasa sobre tratores agrícolas, com o objetivo de torná-lo um espião daquele país aqui no Brasil. Só se embananou um pouco no momento de me explicar quais os motivos de uma operação tão complexa voltada para o Brasil, já que o nosso país prima pela paz entre os povos. No final da conversa, por acreditar que me convencera, ficou contente.
Mas não era crível que o pai dele, um senhor simples, humilde, sem os incisivos centrais, que mal falava a Língua Portuguesa e com as mãos calejadas de exercer o seu verdadeiro ofício dirigindo tratores, e abrindo estradas rurais nos confins das Minas Gerais, fosse um agente 007: O seu nome não era Bond, James Bond. Ele era o Silva, José da Silva.
Ficamos eu e o fingido na mesa, já que ao primeiro som da palavra “ Nasa” a rodinha se desfez. Restou-me aquele comentário standard: “Complicado, né!”
Já a outra “falsinha” conseguiu diminuir mais ainda as pernas de sua mentira. Uma colega na Faculdade de Odontologia me provocava grande comoção por uma cicatriz estranha e unilateral na face. Contou-me, dramaticamente, que levou um tombo nas ladeiras de Teófilo Otoni.
Fiquei imaginando a cena: a bicicleta emprestada, a falha no freio, o desespero do descontrole, a derrapagem, os roxos nas pernas e aquela cicatriz enorme num rosto tão lindo. Bem, essa foi a versão dela no turno matutino.
No turno vespertino, durante a aula de patologia, ouvimos uma explicação sobre uma doença virótica chamada “Herpes Zoster”, a qual um de seus sinais principais era justamente a formação de lesões unilaterais.
Nem bem o professor finalizou a explicação, a minha colega me perguntou assim: ”Sabe essa cicatriz na minha face? “. Assenti com a cabeça. Ela continuou: “Foi essa doença aí que marcou a minha pele. Tive varicela na infância e o vírus ficou latente. Aos 14 anos minha imunidade caiu demais e deu no que deu, tive Herpes Zoster”
Arregalei os olhos e a confrontei: “Uai, colega, a cicatriz de seu rosto não foi queda de bicicleta?
Nem vermelha ficou. Soltou uma gargalhada e completou:“ Ah, eu minto tanto que até me me confundo”. E continuou copiando a matéria do quadro.
Tenho inúmeros desvios, mas mentir não é um deles. Bem, vez ou outra, conto uma lorotinha para o meu leitor.
Que fique claro que não é por menosprezo à sua capacidade crítica. No meu caso, é por diversão, pura diversão.
Acredite se quiser!
PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com