30 de março de 2023
DOM EDSON ORIOLO
A crise sanitária Covid-19 começou no Brasil em 26 de fevereiro de 2020, quando os jornalistas comentavam sobre o primeiro caso de coronavírus em São Paulo. O paciente era um homem de 61 anos que viajara à Itália e, ao retornar, deu entrada no Hospital Albert Einstein com os sintomas de Covid-19. Hoje, em nível mundial, o Brasil é o epicentro dessa crise com variantes, quantidade de infectados e um número expressivo de mortes. Estamos sofrendo consequências dessa crise a mais de um ano e, pela segunda vez, atinge o período em que a Comunidade Eclesial faz memória e vivencia as razões e os fundamentos de sua fé. Interferindo nas justas solenidades da semana maior.
A semana santa é um ciclo em que a Igreja nos propõe para recordar os últimos momentos históricos de Jesus de Nazaré. É o período de encontro com Cristo ressuscitado através das celebrações litúrgicas. Somos alimentados pela Palavra e fortificados pela graça da presença dos irmãos e renovados no sentido de comunidade. A celebração do mistério pascal em sua globalidade, sem fragmentações, é um momento de reconciliação com o Pai e, pela ação da Igreja, com os irmãos e consigo mesmo.
É, portanto, um momento que nos permite uma assimilação mais radical do evangelho acompanhada da inserção na comunidade paroquial ou comunidade eclesial missionária. Isso nos estimula a um renovado e coerente testemunho de Cristo ressuscitado em nós. Nesse sentido, apesar das restrições que a pandemia nos impõe, façamos um tempo de recolhimento, interiorização e abertura do coração para Deus.
Essas duas situações tão concretas em relação a nossa fé: de um lado, a crise sanitária Covid 19 e, do outro, a dimensão teológica da semana santa, chamam-nos para uma “transposição pastoral”. Vivenciar a “Palavra de Deus” e o “Mistério Pascal” através da banca digital devido ao isolamento social com seus protocolos sanitários e, em alguns casos, o lockdown. Nada de show business! A virtualização litúrgica da Palavra de Deus e do Mistério Pascal é um desafio pastoral!
Tal desafio é como se nós, sacerdotes e paroquianos, estivéssemos velejando por mares tempestuosos com águas agitadas em relação à vida paroquial e ao nosso ser comunidade eclesial-missionária. Pois, as circunstâncias mostram-se difíceis de se ter um discernimento sereno. Muitos matraqueiam-se sobre os confusos protocolos da União, dos Estados e dos Munícipios mais levados por saber quem tem o poder de fechar ou abrir os espaços celebrativos.
Outros, imbuídos talvez de boa vontade, atacam as autoridades competentes com discursos acusatórios, tentam encontrar caminhos para levar o povo de Deus à experiência de Encontro com Cristo. Porém, a crise, as dificuldades, as dores, os sofrimentos, embora continuem trazendo situações terríveis em nossas vidas, constituem um chamado à solidariedade. Se não podemos perder a esperança em dias melhores, Jesus nos ensina a dizer: “vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28).
No entanto, nessa crise sanitária Covid 19, somos chamados a virtualização litúrgica da Palavra de Deus e do Mistério Pascal. Temos que nos preocupar com o rito da Celebração Eucarística: Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística que serão os eixos das nossas liturgias.
Na Liturgia da Palavra temos que valorizar o anúncio do mistério da Cruz onde contemplamos o Crucificado. A homilia, portanto, tem que focar esse mistério querigmático: Anunciamos o Cristo crucificado, para poder dar destaque ao fato de que Cristo Ressuscitado venceu a morte e todos os suplícios que levam a morte.
É deste modo que saberemos ajudar os fiéis a aplicar a palavra encarnada de Deus em sua vida. Na virtualidade do meio, a homilia deve ser clara e objetivamente catequética, respeitando o tempo e o espaço virtual.
Outro aspecto do desafio é o momento eucarístico. Na Sacramentum Caritatis, o papa mostra que, em toda a estrutura da celebração da Santa Missa, é a oração eucarística que cabe o papel central e o mais elevado. Ela é o veículo pelo qual o memorial eucarístico é atualizado, sendo, portanto, “o ponto central e culminante de toda celebração” (48).
Na celebração eucarística transmitem-se o corpo e sangue de Cristo e que, mesmo virtualmente, comungamos espiritualmente para dar graças à bondade e à misericórdia divinas, aclamando a Trindade pelos benefícios dos dons da Criação, pelo caminho de obediência ao Pai mostrado pelo Filho Jesus e que pela “doxologia final” lembra a presença atuante dos dons do Espirito Santo cuja frutificação é parte integrante da missão de todo fiel.
São João Paulo II, na encíclica Ecclesia de Eucharistia, fez questão de recordar que a celebração eucarística nunca é propriedade do sacerdote ou da comunidade, lembrando ainda o grande sofrimento causado aos fiéis por abusos introduzidos na celebração da missa. A observância das normas litúrgicas é uma expressão fundamental do amor a Cristo e a Igreja.
O papa Emérito Bento XVI incentiva os fiéis que se encontram numa situação em que não podem receber a santa comunhão a cultivar “o desejo da plena comunhão com Cristo, por exemplo, através da prática da comunhão espiritual, recordada por São João Paulo II e recomentada por santos mestres da vida espiritual (Sacramentum Caritatis,55).
São João Paulo II fala franca e abertamente de abusos traduzidos na celebração da Sagrada Eucaristia por “um ambíguo sentido de criatividade e adaptação” (EdE, 52). E acrescenta: “a ninguém é permitido aviltar o mistério confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se tratá-lo segundo o próprio livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal” (EdE, 52).
Finalmente, nessa “virtualização litúrgica” e “transposição pastoral” (do real para virtual), vamos levar as pessoas a rezarem e fazer a experiência cristã de Deus; ter um coração aberto às realidades virtuais e crescer na mística, pois é por meio das crises que se abrem portas, de uma hora para outra, para crescermos na riqueza da Palavra de Deus e do Mistério Pascal.
DOM EDSON ORIOLO é Bispo da Diocese de Leopoldina (MG)