DÉCIO MARTINS CANÇADO
Primavera
Sabemos perfeitamente que temos várias estações climáticas durante o ano. O eixo de rotação da Terra é a linha imaginaria que une os dois polos e sua inclinação faz com que, em certas épocas, um hemisfério receba mais luz do Sol que o outro. O movimento de translação (ao redor do sol) e a sua inclinação dão origem às estações.
Com o passar do tempo o período denominado ‘ver’, ‘veris’ começou a ser subdividido em três: 1º – o princípio da boa estação, denominado de ‘primo vere’ (mais tarde prima vera); 2º- a segunda parte do ‘ver’, o ‘veranum tempus’, de onde resultou o vocábulo verão: e 3º- a última parte do ‘ver’, o ‘aestivum’, de onde veio o vocábulo estio, estiagem. A partir do século XVII, difunde-se o atual sistema de quatro estações, ao dividir o ano em quatro segmentos iguais, assinalados pelos dois equinócios (primavera e outono) e pelos dois solstícios (inverno e verão).
“Prestando atenção à natureza veremos como vivemos num mundo cheio de significado. Observar e sentir o que nos envolve é voltar ao seio de nossa existência, é nos reintegrarmos, pois somos parte do meio em que vivemos. Cada estação do ano nos convida a diferentes posturas e nos oferece ricos aprendizados. Com a chegada da primavera, um novo convite de reflexão. Assim como o outono, a primavera é uma estação de transição. Ela representa o tempo da despedida das frias paisagens e do preparo para entrar nos tons quentes do verão. As flores são a marca principal da primavera.
Primavera simboliza ciclo de prosperidade. Vai embora o frio, o cinza, o tempo de recolhimento e a natureza se revela multicolorida. É o tempo de acasalamento, reprodução, fertilidade, beleza e abertura. A natureza resistiu aos tempos secos, resistiu à letargia e à hibernação, mostrando que a vida permaneceu latente e agora se refaz.
Em nossas experiências podemos passar por momentos hibernais, em que tudo ao nosso redor está frio e aparentemente sem vida. Seja por situações de perdas, decepções ou pelo simples desaquecimento da roda da vida, momentos de pausa que chegam e se instalam.
Nesses períodos algo de muito belo pode acontecer, se optamos por resguardar nossos dons preciosos, sem perdermos as esperanças. Vamos concentrando nossa energia, até que um dia uma nova brisa pode soprar e anunciar que o gelo vai derreter e a grama verde que havia por baixo dele irá se revelar.
A nova estação chega assim, com promessa de inteireza, de luz, de brilho, de aromas renovados, de cantos de pássaros namorando no alto das árvores, de vento levando pólen para fertilizar os campos, de borboletas voando ligeiras com tantas flores para pousar.
No tempo da alma, a primavera se assemelha ao momento de lançar nossas ideias, de deixar o ar de novos tempos ventilar nossas mentes e corações, de abrir espaço para que o novo brote. Abrir as janelas da alma, para que o aroma embolorado do inverno se dissipe e o perfume das flores faça morada em nós. É a temporada de nos abrirmos, de acreditarmos em novas possibilidades, de nos encantarmos com a beleza dos pequenos detalhes que passaram batidos nos dias cinzas.
Mas para viver a intensidade dessa temporada é necessário exercitar a entrega. É preciso deixar ir o inverno, acreditar que outras experiências são possíveis. Acontece que muita gente ao passar por invernos rigorosos da alma, se esconde por longos períodos em suas tocas, acreditando que não pode mais sair ou, caso contrário, será consumido por uma nevasca. Se aguçarmos nossos sentidos, no entanto, podemos ouvir o canto dos pássaros lá fora e ver que raios tímidos de sol entram pelas frestas.
É preciso entrega, acreditar, lançar nossos polens no ar. Pense e se responda: O que está impedindo que você viva a estação da primavera da alma? A primavera convida: abra-se, permita-se, aproveite as oportunidades dessa brisa nova, relacione-se, sinta a beleza que há lá fora, deixe seu perfume exalar de dentro para fora, não tema as abelhas, deixe que elas o toquem e polinizem a vida! Pense naqueles projetos guardados, nas habilidades contidas e deixe que tudo isso desabroche.
Lembra-se daqueles hábitos ranzinzas? Vá se despedindo deles, à medida que lança atenção para outros aspectos da vida ou lança um olhar diferente para os mesmos aspectos. A primavera te convida a renovar, abrir, sentir, florir! Se vai demorar muito ou pouco tempo para você vivenciar a plenitude dessa estação, ninguém tem a resposta pronta. Mas o jardineiro com certeza está dentro de você, à espera que o deixe agir para enfeitar o jardim, trazendo a nova vida para seu redor”.