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Dia a Dia

PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA

Bortolo Agostini, Geraldo Fidélis e a suã de porco

Segundo o dicionário, apelar significa “invocar um socorro, buscar remédio ou conforto, recorrer para tribunal superior”.
Pois bem, contam que no Carmo, há muitos anos, dois grandes e inseparáveis amigos, invariavelmente de segunda a segunda, iam para o Bar do René nos finais de tarde, e lá tomavam cervejas, uma cachacinha porque ninguém é de ferro, e invariável e diariamente escolhiam algum assunto polêmico para discutirem.

E adoravam e se deliciavam se os demais frequentadores do bar parassem para ouvi-los discutir. E discutiam apaixonadamente e, nessas horas, pareciam mesmo inimigos ferozes, um desejando destruir os argumentos do outro. E à medida que aumentava o teor alcoólico no sangue aumentavam também o tom de suas vozes.

O Bortolo Agostini era de origem italiana, olhos muito azuis, grande empreendedor, trabalhador e muito querido e elogiado pelos amigos. Sempre com as bochechas vermelhas, fumava muito e parecia sempre estar com pressa quando andava pela cidade. Trabalhou muito durante toda a vida e experimentou vários negócios, sendo sempre muito correto em todos eles. Foi alfaiate, proprietário de torrefação de café, açougue, representante comercial, entre muitos outros negócios que geraram vários empregos no Carmo.

Já Geraldo Fidélis era franzino, parecia o personagem do “Amigo da Onça”, muito magro, bigodinho fino, mas um interlocutor sagaz, que dificilmente se deixava vencer. Segundo o Amadeu Carielo, Geraldo Fidélis detinha um vasto conhecimento geral sobre tudo, inclusive história, mas era bastante arrogante e muito senhor de si. E Amadeu sempre ironizava que Geraldo Fidélis era o substituto eventual de Deus. Quando Amadeu o via logo comentava:

– Quando Deus tirar férias, olha ali o seu substituto.
E Geraldo Fidélis, para responder à ironia do Amadeu Carielo, sempre se gabava que se saía melhor que Deus quando o substituía.

Bortolo Agostini e Geraldo Fidélis eram grandes amigos, daquelas amizades invejáveis, raras, como poucas que se consegue ver por aí. Entretanto, durante suas discussões, amizade, amizade, argumentos à parte.
E neste dia, no Bar do René, como sempre, Bortolo Agostini resolveu começar o imbróglio falando sobre o poderio militar americano. Já desferiu a primeira tacada dizendo que os EUA tinham 11 porta aviões.

Geraldo Fidélis retrucou dizendo que a URSS tinha 19 porta aviões, apesar de vários terem sido afundados.
Bortolo Agostini, meio inconformado, lançou que os EUA tinham 3.500 blindados.
Geraldo Fidélis contra-atacou com 3.720 blindados na URSS.
Bortolo Agostini já meio alterado, gritou que os EUA possuíam 1.200 caças.

Geraldo Fidélis bombardeou que a URSS possuía 1.550 caças, sendo 20% mais modernos que os dos EUA.
Bortolo Agostini, já de pé, dedo em riste, esbravejou que os EUA tinham 60 B-52, gigantes bombardeiros da aeronáutica.
Ao que Geraldo Fidélis, limpando as unhas com um trim já desgastado pelo tempo e pelo uso, mansamente replicou que a URSS possuía nada menos que 85 B-52.

Nisso, o Bortolo já meio cansado do debate e sem mais argumentos para tentar dobrar a soberba do Geraldo, tomou mais um copo de cerveja, espremeu meio limãozinho galego na cachaça e virou de um só gole. Mais uma bicada na cerveja e disse:

– Olha, Geraldo, você pode dizer o que quiser, a URSS é uma potência, é hoje o maior poderio militar do mundo, mas tem uma coisa: ela compra e paga todos esses armamentos. E você, que comprou 3 quilos de suã no meu açougue já faz seis anos e até hoje não me pagou?

E saíram cada um para um lado do bar como se nunca mais fossem se falar. E alguém dentro do bar comentou:
É, hoje o Bortolo apelou.

PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.

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