PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA
A visita do Bispo e o rio Sapucaí
No feriado da Semana Santa de 1962, pouco antes da inauguração da barragem de Furnas, veio ao Carmo o bispo da diocese de Guaxupé e grande comitiva, entre eles padres, seminaristas, autoridades e muitos outros. Chegaram no Porto Ponte, de vapor, e lá já quase toda a cidade os esperava para a semana de festividades, rezas, procissões e penitências.
Tudo muito bonito e enfeitado, aqueles que puderam pintaram suas casas, pois a visita de pessoa tão ilustre era algo muito raro e portanto grandioso, digno mesmo de comemorações. Nessas ocasiões as famílias tradicionais da cidade organizavam suas casas para hospedar toda a comitiva. Quanto mais importante a autoridade, melhor a casa em que iria se hospedar. Toda a casa era cuidadosamente preparada, tudo muito limpo, lençóis do mais puro linho branco engomado, travesseiros de pena de ganso, tudo impecavelmente disposto nos vários aposentos.
O bispo, claro, era a figura principal e como tal, hospedou-se na casa mais suntuosa da cidade na época, a casa do senhor José Leite, pai do José Flávio, Clérida do Zé Pacheco, Antônio Adauto, entre outros. Família muito querida e respeitada, estas pessoas e suas casas eram referência da cidade para eventos da magnitude da visita de um bispo.
A casa estava em polvorosa, muita gente entrando e saindo, pães de queijo sendo feitos, leitoas sendo assadas nos fornos dos fogões de lenha, tudo com muito capricho, fôrmas untadas na melhor manteiga da américa latina, muitas ajudantes trazidas da fazenda para prepararem um almoço grandioso e inesquecível, um banquete mesmo.
Enquanto aguardavam na grande sala da bela casa do senhor José Leite, feita mesmo para grandes reuniões, os convidados e o bispo tomavam um vinho suave e conversavam sobre amenidades. Como era de se esperar, o almoço estava um pouco atrasado e o bispo, padres, anfitriões e convidados já estavam meio sem assunto. Nisso, um dos parentes resolve mostrar ao bispo os conhecimentos de geografia de seu afilhado, o Zé Oscar, filho do Zé Flávio, que nessa época devia ter uns 5 ou 6 anos de idade.
E não teve dúvidas, perguntou para o menino:
– José Oscar, como é que se chama o rio que banha o Carmo?
Zé Oscar, infelizmente, mas óbvio, não sabia a resposta e seu olhar claramente demonstrou isso. Daí veio novamente a pergunta e uma tentativa de ajuda:
– Como se chama o rio que banha nossa cidade? Sapu… Sapu…
E o Zé Oscar ainda sem saber a resposta e menos ainda o que estava acontecendo, só conseguia sentir o enorme silêncio na enorme sala e a enorme pressão sobre ele:
– …Sapu…. Sapu…
E respondeu em voz muita alta e grave o que entendeu ser a melhor resposta e a única que completava a pergunta:
– Saputaquepariu…
E o menino nunca entendeu porque tão súbita e rapidamente todos o abandonaram quase que sozinho na imensa sala da grande e suntuosa casa e porque nunca mais, desde então, reviu o bispo.
Obs.: o rio que banha Carmo do Rio Claro é o Sapucaí.
PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.