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Dia a Dia

Foto: Reprodução

BENEDITO JOSÉ

A linha do tempo

O passado é um velhinho cansado, caminhando com o peso das horas, vestido de dores do não viver. O futuro é um jovem afoito, desesperado para ser alguém, flutuando na leveza dos sonhos e das horas idealizadas. Ambos carregam o “não vivi a minha verdade”, nem “o que me cabe por destino”.

Passado e futuro pertencem à mente inquieta e descontente, rabiscando projetos alheios como falsa inspiração para ser feliz. Ambos trilham a incompletude, ambos se anulam sem saber. O passado tem mãos de invasor. O futuro tem pernas de impostor. Entre mãos calejadas e pernas sem músculos, pousa o homem descuidado de sua existência.

O passado perdeu o trem do amor adolescente e se contentou com o que veio depois, dizendo ter dado a volta por cima, escondendo inutilmente a amargura de não ter superado. A força do primeiro amor apagou partes de si, mas revelou o espírito implacável daqueles que não desistem de buscar. Sendo busca, eternamente busca, deixa-se algo a desejar.

Já o futuro, escreveu o amor na pele do desejo, na indefinição do desconhecido, na precipitação de palavras inventadas como sentimento. É o futuro quem mais nos afasta de nós mesmos, criando subterfúgios e estratégias comprometedoras na arena do amor. Se nos compram o futuro oferecido das incertezas ou o passado escondido à sete chaves, o amor que brota deste jardim cresce com folhas de ilusão.

O passado nutre a fé enrugada, doída e cobrada, escrita em caminhos tortos e sinuosos, coisas de labirinto. Metade homem-metade cavalo, o passado revisita lugares vazios de vida, crente de encontrar algo novo onde nada foi semeado, dependendo da bondade dos céus para se alimentar ou prosseguir vivendo.

O passado veste a capa dos medos para se proteger, para substituir a perda de propósitos, para reduzir o impacto de sua derradeira despedida. O futuro tem fé dispersa, nada consistente, nada impressionante, mas apoia-se na construção de hipóteses e probabilidades no território do excesso de confiança, ao achar que já existe. Ambos nutrem a fé naquilo que não chegou e pagam o preço da demora.
Entre o passado e o futuro, jazz a Humanidade; ora indiferente, ora entusiasmada, ora consciente, ora entornada.

Inconscientes do que somos e das razões pelas quais iniciamos algo, pairamos sobre o ninho provisório das ignorâncias, certos de que estamos fazendo a coisa certa, certos de que somos justos e incansáveis nas interações com a realidade que se apresenta diante de nós, envoltos na aura do autoengano de que somos donos da verdade.

Tombo após tombo, experiência após experiência, ausência após ausência, a linha do tempo permanece rígida e exigente para com nossas percepções. Há quem queira enxergar, mas há também quem apenas vê e nada aprende ou apreende. A linha do tempo virou corda bamba para muitos, sobre a qual tentam equilibrar pensamentos e emoções, enquanto a iluminação não vem.

Com rede ou sem rede abaixo do trapezista, a queda é inevitável. Ainda bem que inventaram a resiliência, a coragem, a perseverança e a iniciativa. Estes são alguns recursos disponíveis no âmago intelectual, podendo ser usados com fartura, enquanto não compreendem a importância fundamental da aceitação em sua travessia.

O tempo não é cruel; crueldade é o que fazemos com ele na sucessão dos acontecimentos. O tempo só sabe passar. Aqueles que exercitam a aceitação, resistem menos, sofrem menos, movem-se mais rápido para criar novas realidades. A aceitação nos desarma dos gatilhos do passado e nos liberta para a realidade mais presente possível.

O presente dissolve a linha do tempo, abrindo espaço para o Ser, dando voz à nossa autenticidade mais recôndita. O presente é a cereja do bolo da vida, belo e disponível a poucos, saboroso em suas peculiaridades, validado por todos que o alcançam. Parece fácil, mas viver o momento presente não é opção para os fracos.

BENEDITO JOSÉ, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados

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