15 de setembro de 2023
PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA
Certa vez, em um verão escaldante, Tãozinho resolveu instalar um ventilador no cinema. O Cine Guarani, aliás como a maioria das salas de exibição de filmes, tinha pouca ventilação.
Sem muitos cálculos, até mesmo sem muita noção do que esperava, Tãozinho convidou para a empreitada três pessoas: o João Lagda, único serralheiro da cidade, completamente surdo pelas centenas de decibéis das marretadas na bigorna de sua serralheria; Geraldo Mansur, irmão de Tãozinho, eletricista entendido de motores, mais sistemático que monjolo e, por fim, o Zé Otávio, outro eletricista e pescador famoso. Tãozinho explicou seus objetivos e os três projetaram e construíram o ventilador. Tãozinho comprou um motor de 10cv, imenso, e os três técnicos fizeram o restante: hélices, correias, polias, etc.
O ventilador ficou enorme, mas enorme mesmo, e foi instalado debaixo do palco e da tela do cinema.
Pois bem, Tãozinho fez muita propaganda do ventilador novo, muitos dias antes já anunciava a novidade, alugou um filme famoso e o cinema lotou. Lá estavam todos os proprietários de cadeiras cativas: prefeito, diretores de escola, donos de cartórios, autoridades e até as freiras e algumas moças internas do colégio, que raramente iam ao cinema, neste dia compareceram. Nessa época as freiras tinham direito a oito cadeiras cativas. E toda essa gente esperava ansiosa pela inauguração da novidade, o enorme ventilador.
Depois que o filme começou, Tãozinho aguardou uns quinze minutos para aumentar o suspense da novidade, e logo ligaram o bendito ventilante. No início o barulho foi baixo, mas foi aumentando, aumentando, e daí a pouco estava ensurdecedor. Parecia haver um boing 747 ligado dentro do cinema. O povo estava assustado, sem saber o que fazer, ninguém mais prestava atenção no filme, todos paralisados pelo terror do barulho assombroso, até que alguém gritou:
– As paredes estão trincando…
Pra quê!?! Voou gente para tudo quanto foi lado. Parecia estouro de boiada em filme de faroeste. Pessoas correndo em cima das poltronas, gente caindo, freiras alvoroçadas e seus hábitos esvoaçantes, a cortina de veludo cor de vinho despedaçada… foi um Deus nos acuda.
Extremamente perigoso, mas felizmente nada de grave aconteceu. Tãozinho desligou o ventilador para nunca mais voltar a ser ligado. E por muitos anos ficou lá empoeirando.
PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.