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Dia a Dia

PATRÍCIA PEREIRA

Suspiros e outras heranças

DFFG Quando estou nas festas familiares, o espírito da Tia Zina desce em mim.
Ambrosina Prado, carinhosamente chamada pelos sobrinhos de Tia Zina, a caçula de onze filhos. Obedecendo ao destino das filhas que não se casam, teve como propósito cuidar dos pais na velhice.
Num tempo em que visitar os familiares significava atenção e não aborrecimento, a casa dos meus bisavós era muito bem frequentada. O dia e o horário escolhidos por minha família, domingo após a igreja.

Apesar do silêncio da velhice, quebrado apenas por escarradas no penico, havia um atrativo que convencia eu e as minhas irmãs, crianças inquietas, a realizarmos a visita semanal: os suspiros, doces feitos com claras de ovos, da Tia Zina.
A gente nem bem terminava de tomar a benção, a Tia Zina nos convidava para uma mesa repleta de pequenos suspiros, milimetricamente acomodados em pires, tão fofos que dava até pena comê-los.

Mas a gente comia tudo, e após o último suspiro, ela recolhia o pires, a caneca de alumínio com o resto de água e os farelinhos na mesa e no chão. O jeito dela se despedir da visita e suspirar de alívio.
Nunca pensei que as atitudes de minha tia-avó me influenciariam tanto. Infelizmente, herdei dela essa estranha mania de servir e recolher.

Já incentivei a minha irmã devorar um pedaço de peixe para lembrá-la de que a festa estava no fim. Por isso sou considerada a tia Zina dos tempos atuais. Há quem diga que comparada a mim ela era mera aprendiz.
Com certeza, essa mania atrapalhada deve ter nome e sobrenome nos manuais de psiquiatria.
Fiquei pensando sobre a força de uma herança e como ela nos influencia no cotidiano.

A minha herança física, considero uma ironia de Mendel. Junto com a pele clara e sensível do meu pai, ganhei o déficit visual da minha mãe. Ficaria bem mais feliz se pudesse me bronzear com a pele morena de mamãe e hipnotizar meu marido com os olhos verdes e saudáveis de papai.

Já as outras heranças, recebi e ainda recebo aos montes. Muitas vezes sem perceber.
Lembro-me das palavras de consolo que ouvi no funeral de minha mamãe: “Ela estará sempre com você”
Como isso seria possível?

Naquele momento de dor aguda, aquelas palavras de conforto não fizeram sentido algum. Só depois percebi a sua força. Mamãe, de fato, continuou e continua comigo, na herança moral, nas atitudes, crenças e valores.
No entanto, o meu melhor quinhão hereditário recebi ainda criança. Ele veio em forma de um conselho simples dos meus pais: “Jamais se desligue da videira e produza bons frutos”

Mas quem disse que é fácil obedecer? Pela desobediência, muitas vezes encho cestas com frutos amargos e podres. O DNA de Adão e Eva.
A questão sempre foi e será o que fazer com as heranças recebidas e como transmiti-las aos descendentes.
Este é o meu maior desafio.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com

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