SEBASTIÃO WENCESLAU BORGES
O Banco da Caridade
Início dos anos 60, já proclamado Vicentino, eu acompanhava aqueles saudosos Confrades ouvindo deles vários casos sobre a caridade. Dois casos ficaram armazenados em minha memória:
A sacola
Certa vez, a Conferência ficou sabendo de uma família que estava em grande penúria. A família era composta de um casal, seis filhos e morava numa casa um pouco afastada da cidade. O Confrade João José se prontificou a levar a feira. Assim que saiu levando a feira nas costas, olhou para o lado e viu um conhecido seu na charrete, indo para aquela direção.
Subiu na charrete e antes de chegarem no local ainda pararam numa venda para comprar um pedaço de toucinho e carne, já que na feira ainda faltavam esses componentes. Lá chegando, o Confrade convidou o amigo para conhecer aqueles que ele ia visitar e são recebidos com alegria por toda família.
Assim que recebe a feira, a mulher, um pouco doente, corre e vai á bica próxima para lavar a bolsa de lona em que o confrade trouxera os gêneros, pois a carne fresca mal embrulhada a sujara de sangue e gordura. João José, notando que a mulher estava bastante fraca disse para ela não se incomodar, e ela, atendendo seu pedido, deixa a sacola ainda suja junto a umas pedras, cobertas por uns ramos.
Alguns minutos depois o Confrade dirigiu-se para apanhar a sacola achando um tanto pesada, sente imediatamente que alguma coisa se mexe no interior dela. Um grito de terror do Vicentino chama atenção. É que um objeto frio desliza por entre seus dedos e cai pesado no chão.
O charreteiro, de chicote em punho já à espera da partida, grita horrorizado: “Cascavel!”. E ergue o cabo do relho para mata-la, quando nosso Vicentino, atônico, senta-se rapidamente sobre uma pedra em virtude do susto julgando – se ofendido pela cascavel. Seu amigo charreteiro chega até ele e pergunta:
–“ Você foi picado, Confrade?”
–“Não”. Responde o Confrade, e quando se volta, não mais encontra a cascavel, que se escondera por entre as pedras, junto a fonte. A cobra fora atraída pelo sangue da carne fresca que sujara a bolsa, mas não causara nenhum mal ao Confrade Vicentino João José. Aqui está o Confrade de São Vicente de Paulo, coberto pela proteção divina e comprovando mais uma vez que quando nos colocamos a serviço do bem, pelo amor de Deus, somos resguardados de todo o mal e perigos que nos rodeiam!
A mala
Um viajante, numa manhã fria de junho, tomou a Jardineira na rodoviária e foi vender suas mercadorias nas cidades da região. Já fora da cidade, um rapaz dá sinal, entra na Jardineira e segue viagem. Era um moço de uns 30 anos, estava pálido, barba a fazer, cabelos descendo pela nuca, carregava uma mala e um guarda-chuva.
Percebia-se que tinha recebido alta de algum hospital. Antes de chegar em uma pequena cidade, dá sinal que vai descer. Olha para o cobrador e o motorista e “Deus lhes ajude”. O cobrador diz: “O senhor não vai pagar a passagem? Todos tem que pagar. E ele responde: “Não tenho dinheiro, estou muito fraco e andando não ia chegar até aqui, achei que o senhor não se importaria se me deixasse vir sem pagar” .
Disse o chofer: “Como vamos fazer?” Um rapaz bem trajado entre os passageiros, querendo aproveitar da situação e levar vantagem fala: “Eu te compro o relógio e o guarda – chuva. Quanto quer?” O passageiro pensa e diz: “200 cruzeiros.” “Dou 50”, replica o rapaz.
Quando já se falava em reter a mala do pobre homem, o vendedor viajante chamou discretamente o cobrador e disse: “Larguem a mala dele! Deixe o pobre homem descer, eu pagarei a passagem, quanto custa?” “Treze cruzeiros”. Assim o homem desceu e disse: “Deus ajude a quem pagou por mim”. E lá se foi nosso herói, carregando toda sua gratidão com sua mala, seu relógio e guarda-chuva pela estrada afora.
E o vendedor chegou ao seu destino. Era uma época ruim de vender. Ás 11 horas o vendedor foi para a pensão almoçar, dar o balanço nos negócios e fazer as contas da comissão. Foi quando houve o fato até então inédito na sua vida de viajante. Verificou naquela hora que havia ganho em tão curto espaço de tempo mil e trezentos cruzeiros.
Exatamente cem por um a importância despedida com a passagem do homem desprovido. Ganhar essa importância em duas horas de trabalho era um fato extraordinário, digno de menção. Enfim; este é o resultado de todas as nossas transações no banco da caridade, que nos paga sempre, direta ou indiretamente!
SEBASTIÃO WENCESLAU BORGES é membro fundador da Associação dos Escritores e Cia de Passos e Região. Autor dos livros: Memoriando (6ª edição), Proseando (2ª edição), Férias na Roça, e participação em várias Antologias.