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Dia a Dia

PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA

A primeira panela de pressão do Carmo

Professor Milton Araújo veio de Guaratinguetá – SP no ano de 1917 atraído por um anúncio de jornal em que se procurava professor para lecionar no colégio do Carmo. Aqui fixou residência e formou família e em pouco tempo se tornou muito respeitado e sua família muito querida. Foi professor de várias gerações de carmelitanos. Morava na grande casa ao lado da Igreja Matriz que ainda pertence à família e onde atualmente mora o Job.

“Sô” Milton, como o chamávamos, era alto e magro e vestia-se impecavelmente e sempre carregava consigo algum livro ou jornal. Homem simples mas muito culto, era famoso por ser sempre muito exigente com seus alunos. Era espirituoso e não raro capaz de desafiar algum interlocutor com seu humor refinado. Mantinha um grande cigarro de palha na boca, no qual de vez em quando dava uma baforada. Nunca tragou a fumaça.

João Lagda, na verdade João Ferreira da Costa, era serralheiro e veio de Carandaí – MG para o Carmo para trabalhar em um laticínio. Seus filhos Zé do João Lagda e Valtinho se mantiveram na profissão do pai. Também teve filhas, muito bonitas por sinal, mas pouco conhecidas no Carmo pois se mudaram muito jovens para outras cidades. Atualmente somente o Zé ainda mantém a serralheria no mesmo local, em frente à antiga casa de Jorge Jacob, onde hoje Dona Fiinha vende seus doces, ao lado da Farmácia São Geraldo.

Dizem que a primeira panela de pressão que existiu em Carmo do Rio Claro foi comprada pelo “Sô” Milton. Foi uma sensação na época, afinal, cozinhar feijão tão rápido era algo inimaginável. A notícia logo se espalhou e todos queriam ver a tal novidade. Sempre tinha gente na casa do “Sô” Milton na hora de cozinhar o feijão.

Foi necessário agendar as visitas e tudo corria muito bem. A novidade maravilhava os visitantes, mas uma coisa estava implicando “Sô” Milton, aquele “vazamento” de vapor. Como não tinha assistência técnica no Carmo na época, “Sô” Milton chamou o compadre João Lagda, serralheiro experiente e muito seu amigo, para ver o “defeito” da panela.

– Compadre, esta panela é uma beleza, uma maravilha, mas está com esse “defeitinho”, fica vazando esse vapor, o que você acha?
João Lagda, muito surdo pelas milhares de marretadas na bigorna da serralheria, levantou a válvula da panela em direção à luz, apertou os olhos, olhou-a bem e já diagnosticou o problema:
– Compadre Milton, esta válvula está furada. Nada que um pinguinho de solda não resolva.
Levou a peça para oficina, tampou o buraquinho com um pingo de solda, lixou caprichosamente, poliu, levou-a de volta e pediu à comadre para usar a panela, pois certamente não apresentaria mais o problema.

Naquele mesmo dia a comadre pôs o feijão para cozinhar. E foi cozinhando, a panela sem soltar o vapor foi comprimindo, acabou virando uma caldeira, e o feijão cozinhando, comprimindo, até que aconteceu o inevitável: explodiu ensurdecedoramente.

Quem visse a cozinha jamais imaginaria que uma panela fosse capaz de fazer tamanho estrago. Sorte que no momento não havia pessoas na cozinha, pois o feijão coloriu todas as paredes, a tampa foi projetada para cima, atravessou o forro e as telhas e nunca foi encontrada.
Muito tempo se passou até que alguém no Carmo comprasse outra panela de pressão.

PAULO ROBERTO CORÓ FERREIRA é carmelitano, pós-graduado em Ciência da Computação pela UFMG. É autor do livro “Viagem pela Alma Carmelitana”, lançado em 2021, com as histórias de sua terra.

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