31 de agosto de 2023
PATRICIA PEREIRA
No começo, ela escolheu um carrossel. Ele era lindo, a música doce, as peças sincronizadas. A criança sorria e os pais felizes assistiam à roda da vida.
Mas a menina cresceu e queria experimentar outros brinquedos. Escolheu a montanha-russa.
Na montanha-russa da vida conheceu a inércia, aquela lei física que nos impulsiona a movimentar quando se quer parar e vice-versa.
O desconhecido a encantava. Entre subidas, mudanças abruptas de direção, loopings gigantescos e velocidade acentuada, ela celebrou as alegrias e enfrentou os desafios das novidades. Mas o carrinho sempre estacionava no local de partida. A família era o seu porto seguro.
A alma humana é ávida e a menina queria mais. Trocou de brincadeira. Escolheu desta vez o trem fantasma e com coragem decidiu fazer o trajeto de olhos abertos.
Durante a viagem que seria tenebrosa, descobriu a própria força, grande o suficiente para não sucumbir ao sacolejo do carrinho. Percebeu que o ambiente escuro era controlado e que de tempos em tempos uma luz se acendia para evidenciar os monstros, e eles nem eram tão horripilantes como ela imaginara.
Já o saldo desse brinquedo foi assustador, pois não deve existir nada mais triste para uma filha única do que romper relações com os pais.
E a menina parou de brincar.
Esta é a história de Larissa Manoela que, por sua notoriedade, acredito ser conhecida pela maioria dos leitores. Caso não a conheça, esclareço que são divergências entre uma atriz famosa e seus pais no que se refere à administração de sua carreira, gestão do patrimônio e escolhas pessoais.
Num mundo cheio de fake news muito cuidado é pouco. Cada um tem a sua verdade. E se o Poder Judiciário gasta anos para decidir um caso complexo como esse, não serei eu, em poucas linhas, que darei uma sentença.
Por ora, fico com a verdade da atriz e trago para refletirmos o tema famílias disfuncionais.
Até eu me tornar mãe, não tinha a mínima ideia dos desafios da maternidade. E acredito que a maioria deles estejam situados naquela zona cinzenta em que nós pais não sabemos os limites entre proteger e se intrometer, cuidar e retirar a autonomia, responsabilizar e culpar os nossos filhos.
Acredito que os pais da atriz também estiveram nesse limbo, mas por razões desconhecidas por nós, optaram para que a filha continuasse debaixo da barra de suas calças.
Como pais temos uma tendência a super proteger nossos filhos, já me adiantei para solucionar conflitos que o meu próprio filho resolveria sozinho, depois joguei a conta no amor materno.
Por amor os pais devem orientar os filhos, inclusive na fase adulta. No entanto, ao impedirem que a atriz tomasse suas decisões profissionais e pessoais, seus genitores falharam numa das suas principais responsabilidades: nutrir a autoconfiança da filha preparando- a para as crises da vida.
Os pais não controlam as escolhas dos filhos adultos e muitas vezes elas virão de encontro aos nossos desejos.
Os filhos não existem para projetarmos os nossos sonhos e as nossas expectativas. Com eles temos a oportunidade de transformar o nosso caráter e exercitar, diariamente, o respeito às diferenças. Isso sim é o verdadeiro amor!
PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com